Odeio ser portador de más notícias. Contratei os serviços do Pobox (www.pobox.com) em 1996 na esperança de nunca mais ter que enviar aos amigos de internet aquela mensagem tediosa “Por favor, atualizem suas listas de contatos! Doravante meu endereço email será...”.
Pois lá vou eu incomodar a todos. O endereço vai mudar. Que o novo seja eterno enquanto dure.
Se em 1996 já dava um grande trabalho avisar uma alteração de endereço a todos os conhecidos, imaginem como cresceu a lista de contatos nestes nove anos. Terei que revirar a rede na esperança de passar o recado da mudança a todos que precisem anotá-lo. Arrisco-me a não ser mais encontrado por alguns amigos, parentes e contatos profissionais quando o endereço antigo sair de cena.
A esperança é recíproca. Da mesma forma que confiei em manter um endereço inalterável através dos tempos, meus contatos confiaram em anotar meu endereço do Pobox, certos de que poderiam contar comigo através dele. É a estes colegas que peço desculpas; é em respeito a eles que exponho os motivos da minha mudança de planos.
Lamentavelmente, o Pobox não dá mais qualquer argumento sério que me convença da relevância de seus serviços. O Pobox funcionava bem tendo em vista uma combinação de fatores que não existem mais: provedores capengas, linhas discadas, programas de email, webmail indecente e spam dentro do limite do gerenciável. Por isso, sua popularidade decaiu. Mas produtos decadentes saem do caminho ou baixam os preços -- não elevam as anuidades em 33,33 por cento. O Pobox está “se achando” a esta altura do campeonato.
Sofri com os provedores dial-up, que na aurora da internet comercial eram todos (muito bem) pagos. Barbeiragens administrativas e lentidão de acesso eram aborrecimentos muito comuns, capazes de abrir rombos nas finanças do usuário. Era normalíssimo pular de um provedor para outro em busca de serviços dignos e ofertas melhores. Como conciliar isso com a necessidade de o usuário se manter facilmente localizável na rede, num tempo em que as alternativas ao email (mensagens instantâneas, Orkut, Skype, até telefones celulares) eram modestas ou inexistentes?
Aí entra o Pobox. Por quinze dólares anuais, concedia um endereço permanente ao usuário, por mais que ele trocasse de provedor. Não guardava, como continua não guardando, mensagem alguma. Tudo que faz é repassar as mensagens à caixa postal “real” do provedor em uso. Por que o Pobox não guarda nada e ainda cobra por isso? Porque foi inventado no tempo em que o armazenamento custava uma nota preta (mesmo que fosse diferente, seria inviável transferir grandes massas de dados através de linhas telefônicas e provedores tarifados). E não se reinventou até hoje.
De qualquer forma, o usuário já recebia no pacote de serviços do provedor, qualquer que fosse, um espaço de armazenamento de mensagens. Esse espaço era muito reduzido; programas como o Eudora eram indispensáveis não só para ler e escrever mensagens (mesmo com o modem desligado), mas também para descarregá-las ao micro local de tempos em tempos, desocupando o servidor de email no outro lado da linha. O custo desse serviço, quando (e se) avaliado à parte, era sempre muito maior que o preço do Pobox.
A matemática entrou em parafuso quando surgiram os provedores grátis. Nem todos funcionavam bem, mas os usuários do Pobox aproveitavam a liberdade de usar uns e outros à vontade, mantendo o endereço de sempre -- e sem fazer propaganda de qualquer provedor individual. Esse deve ter sido o último suspiro de relevância do Pobox: era um porto seguro, um nome confiável em meio a dúzias de aventureiros.
Acontece que a era dos grátis também foi a da ascensão da banda larga e dos cibercafés, turbinando a demanda pelo webmail e pondo em xeque a própria razão de ser dos programas de mensagens. Por que acumular uma massa ingerenciável de emails no disco rígido de casa (ou seja, inacessíveis por qualquer outro computador)? Por que continuar usando um programinha separado, fosse o pífio Outlook Express, fosse o Eudora em declínio, para baixar mensagens para leitura posterior, quando a conexão passou a ser permanente e rapidíssima? E, principalmente, por que fazer download de mensagens de uma forma ou outra, já que as caixas postais ficam sempre entupidas de spam, vírus e similares? Tal é o ataque dos chatos emailadores que às vezes é melhor se esconder do que manter um endereço permanente.
De olho nos novos tempos, o Pobox criou um forte filtro antispam, sobre o qual comentei em artigo de 27 de novembro de 2003:
“O serviço repassador de mensagens Pobox tem um filtro implacável que pode ser ajustado pelo usuário... ou quase. Se ficar muito rigoroso, pode mandar para o brejo mensagens importantes. Aconteceu comigo: vendi um item num leilão e não consegui receber uma única mensagem do vencedor. Por motivos totalmente aleatórios (o Pobox pouco liga para mensagens de língua não-inglesa em sua filtragem), barrou todas.
“Há salvação, mas é complicada e limitada. O usuário precisa ir ao site do Pobox, pedir para ver o listão de mensagens condenadas nos últimos trinta dias e ver quais são as que podem sair da geladeira. Na verdade, a lista chega a milhares de emails, e não há um jeito rápido e eficaz de se passear pela lista.
“O pior de tudo é que o Pobox só acumula os spams, sem tomar providências: nem o destinatário fica sabendo facilmente que há algo de estranho tentando entrar em sua caixa postal, nem o remetente recebe qualquer sinal de que sua mensagem está sendo recusada. Por isso, meu cliente de leilão considerava que suas mensagens estavam realmente chegando ao destino e que eu é que o estava ignorando.
“A salvação foi uma caixa postal de provedor grátis. Sem intermediários.
“Quem desejar um antispam inteligente deve abaixar o escudo do Pobox e transferir sua confiança para outro filtro. E permanece a dúvida: por que o velho Pobox ainda cobra 15 dólares por ano – por isso?”
Como a fortaleza digital do Pobox começou a implicar com mensagens originadas no Brasil, voltei ao assunto em 9 de fevereiro de 2004:
“Como é que um país faz para entrar nessa nobre relação de fontes notórias de spam (e, é claro, vírus de email)? Pelo menos o Brasil não está lá por acaso. Junte uma grande população de computadores conectados (em números absolutos), muitos jovens talentosos moralmente frouxos, uma cultura de apologia do crime, a orquestração do desestímulo total a qualquer atividade séria e produtiva, a doutrinação nas escolas contra os porcos burgueses imperialistas neoliberais etc. etc., a falta de repressão (e o recalque politicamente correto até de se usar palavras chulas como ‘repressão’) e a crença de que é ‘justiça social’ tratar o que é dos outros como a casa da sogra. Mas vá convencer um brasileiro disso tudo sem ser xingado em bases partidárias, antropológicas ou psiquiátricas.
“Entretanto, se o Pobox distinguiu a Pátria Amada negativamente, colocando-a ao lado da Turquia, da Nigéria e de um punhado de tigres asiáticos, não está sozinho em sua avaliação. O bloqueio por países é apenas uma camada do sistema antispam. Se você não é o usuário típico do Pobox e tem motivos para continuar recebendo mensagens do Brasil, ainda assim pode ativar os outros filtros, baseados em listões continuamente atualizados por entidades especializadas (njabl.com, mailpolice.com, dsbl.org e outras). Todos cada vez mais desconfiados de mensagens do ‘.br’.
“Todo antispam erra muito nos primeiros dias, até conhecer o comportamento do usuário. Pelo menos até que você mostre aos filtros do Pobox que focinho de porco não é tomada, muitas inocentes mensagens de seus amigos cairão na malha fina dos ‘discards’. Recuperar do Pobox os emails que prestam, uma agulha no palheiro de zilhões de vírus e ofertas milagrosas, é atividade manual que requer tempo. Encontrou aquela proposta de trabalho imperdível? Pode ser tarde demais. Para salvar a si mesmo, o Pobox ainda perderá muitos clientes no Brasil.”
Ainda não existia o Gmail para a devida comparação. Mas a pescaria de mensagens boas do Pobox não é a que o Gmail já faz, com alta velocidade, com a vantagem da interface única, sem criar qualquer dificuldade para se resgatar qualquer “spam” desejado ou mandar para o purgatório qualquer “legítima” indesejada?
Esse foi o golpe de misericórdia. Assim que os serviços de webmail começaram a oferecer espaço sério para armazenamento – acima de um gigabyte, para que o usuário não se preocupe tão cedo em apagar mensagens recebidas --, caiu o castelo dos programas de email. Hoje há um programa bom, o Thunderbird. Uns o amam por não ser da Microsoft; outros o admiram por seu poderoso antispam. Mas o pecado original do Thunderbird é o mesmo dos concorrentes: no fundo, é um programa de email tradicional que cumpre as tarefas tradicionais. Com mais de dois gigabytes disponíveis grátis, cortesia da Google Inc., quem precisa continuar fazendo download de milhares de mensagens?
A tendência natural é que os serviços de internet fiquem melhores e mais baratos. O Pobox nada acrescentou de relevante a seus serviços e reajustou a tarifa anual para 20 dólares. No tempo dos 15 dólares, sempre paguei sem reclamar, tanto nos tempos de prosperidade quanto naquelas fases em que a insolvência pessoal se somava à disparada da moeda americana. O problema não é de dinheiro. Se o Pobox fornecesse um serviço que, em 2005, valesse 20 dólares, eu não hesitaria em abrir a carteira.
Porém, há tempos e tempos o Pobox oferece mais do mesmo, sem fazer o menor esforço para conquistar novos usuários. Aproveita-se, portanto, da fidelidade da clientela antiga; faz caixa a bordo da dependência dos usuários que já imprimiram o “pobox.com“ em seus cartões de visita e não sabem como seus amigos os encontrarão caso mudem de endereço -- o que era, afinal, toda a razão de ser do Pobox. Considerando o exposto anteriormente, é o que posso chamar de fé cega. Se o provedor de fundo de quintal fosse à falência, o Pobox continuaria existindo. E o Pobox, desse jeito, existirá para sempre?