quarta-feira, junho 28, 2006

Eduardo Levy sobre Janer Cristaldo

Quarta-feira, Junho 28, 2006

As três vias de acesso

Todos já devem ter lido, mas, de qualquer maneira, segue esta maravilha de Janer Cristaldo. Só quero fazer três considerações: 1) Janer erra ao fazer a comparação com a Universidade medieval. A Universidade brasileira e mesmo a mundial estão esta porcaria justamente porque são o oposto do que eram as medievais. 2) Com respeito à imbecilidade específica a que Janer se refere, nem sempre foi assim no Brasil. Começou, é claro, com a ascenção da esquerda à chefia cultural absoluta. Por exemplo: Manuel Bandeira não era formado em nada e sequer completara o segundo grau, mas foi professor do Colégio Pedro II (e escreveu o livro didático de Literatura dessa escola), o mais tradicional do Rio de Janeiro, e da Faculdade Nacional de Filosofia. Não por coincidência, a geração seguinte à de Bandeira foi a última geração de intelectuais brasileiros em que os intelectuais eram intelectuais, em que os intelectuais pensavam. 3) Uma pessoa muito próxima a mim cursou uma faculdade de jornalismo, e posso garantir: no Brasil o sujeito é obrigado a ter diploma de jornalista porque só uma faculdade de jornalismo pode torná-lo tão imbecil, tão lesado, tão retardado, tão bitolado, tão sem conseguir conectar o Tico e o Teco a ponto de ele poder ser um jornalista brasileiro. (Claro, há um ou outro que, só Deus sabe como, se salva, consegue passar com a inteligência incólume, como um Reinaldo Azevedo ou essa própria pessoa próxima a mim.) Eduardo Levy


As três vias de acesso

Por Janer Cristaldo

Após ler minha crônica sobre os cavacos do ofício do jornalismo, uma amiga me pergunta porque não estou lecionando numa universidade. Coincidentemente, a resposta está no artigo de Cláudio de Moura Castro, na Veja da semana passada:

“Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação”.

Estas peripécias, eu as conheço de perto. Começo pelo início. Nunca me ocorreu lecionar na universidade. Eu voltara da Suécia, cronicava em Porto Alegre e fui tomado pela resfeber, doença nórdica que contraí na Escandinávia. Traduzindo: febre de viagens. Li nos jornais que estavam abertas inscrições para bolsas na França e me ocorreu passar alguns anos em Paris. A condição era desenvolver uma tese? Tudo bem. Paris vale bem uma tese. Tese em que área? Busquei algo que me agradasse. Na época, me fascinava a literatura de Ernesto Sábato. Vamos então a Paris estudar Sábato.

Mas eu não tinha o curso de Letras. O cônsul francês, ao me encontrar na rua, perguntou-me se eu não podia postular algo em outra área. Em Direito havia mais oferta de bolsas. Poder, podia. Eu cursara Direito. Mas do Direito só queria distância. Mantive minha postulação em Letras. Para minha surpresa, recebi a bolsa. A França me aceitava, em função de meu currículo, para um mestrado em Letras, curso que eu jamais havia feito. Nenhuma universidade brasileira teria essa abertura. Aliás, os componentes brasileiros da comissão franco-brasileira que examinava as candidaturas, tentaram barrar a minha. Fui salvo pelos franceses.

Fui, vi e fiz. Em função de meu currículo, aceito para mestrado, fui guindado diretamente ao doutorado. Tive o mesmo reconhecimento que o aluno do MIT. Acabei defendendo tese em Letras Francesas e Comparadas. Menção: Très bien. Não me movera nenhuma pretensão acadêmica, apenas o desejo de curtir Paris, suas ruelas, vinhos, queijos e mulheres. A tese não passou de diletantismo. De Paris, eu escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, de Porto Alegre. Salário mais bolsa me propiciaram belos dias na França. Foi quando minha empresa faliu. Conversando com colegas, fiquei sabendo que um doutorado servia para lecionar. Voltei e enviei meu currículo para três universidades. Sei lá que loucura me havia acometido na época: um dos currículos enviei para o curso de Letras da Universidade de Brasília.

Fui a Brasília acompanhar meu currículo. Procurei o chefe do Departamento de Letras. Ele me cobriu de elogios, o que só ativou meu sistema de alarme. Que minha tese era brilhante, que meu currículo era excelente, que era um jovem doutor com um futuro pela frente. Etc. Mas... eu tinha apenas os cursos de Direito e Filosofia, não tinha o de Letras. Me sugeria enviar meu currículo ao Departamento de Filosofia, já que a tese tinha alguns componentes filosóficos.

Ingênuo, fui até o Departamento de Filosofia. O coordenador me recebeu muito bem, analisou minha tese, cobriu-a de elogios. Mas... eu não tinha o Doutorado em Filosofia. Apenas o curso. Considerando o grande número de artigos publicados em jornal, sugeria que eu fosse ao Departamento de Comunicações. Besta atroz, fui até lá. O coordenador considerou que meu currículo como jornalista era excelente. Mas... eu não tinha o Curso de Jornalismo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina abriu um concurso para professor de Francês. Já que eu era Doutor em Letras Francesas, me pareceu que a ocasião era aquela. Duas vagas, dois candidatos. Fui solenemente reprovado. Uma das alegações foi que eu falava francês como um parisiense, e a universidade não precisava disso. A outra, e decisiva, era a de que eu tinha doutorado em Letras Francesas, mas não tinha curso de Letras.

Já estava desistindo de procurar emprego na área, quando fui convidado para lecionar Literatura Brasileira, na mesma UFSC que me recusara como professor de francês. Convidado como professor visitante, o que dispensa concurso. Mas o contrato é por prazo determinado, dois anos. O curso precisava de doutores para orientar teses e eu estava ali por perto, doutor fresquinho, recém-titulado e livre de laços com outra universidade. Fui contratado.

Acabei lecionando quatro anos, na graduação e pós-graduação. Findo meu contrato, foi aberto um concurso para professor de Literatura Brasileira. Me inscrevi imediatamente. Uma vaga, um candidato. Me pareceram favas contadas. Ledo engano. Eu não tinha o curso de Letras. Fui de novo solenemente reprovado.

Na mesma época, abriu um concurso na mesma universidade para professor de espanhol. Ora, eu já havia traduzido doze obras dos melhores autores da América Latina e Espanha (Borges, Sábato, Bioy Casares, Robert Arlt, José Donoso, Camilo José Cela). Vou tentar, pensei. Tentei. Na banca, não havia um só professor que tivesse doutorado. Pelo que me consta, jamais haviam traduzido nem mesmo bula de remédio. Mais ainda: não tinham uma linha sequer publicada. Novamente reprovado. Minhas traduções poderiam ser brilhantes. Mas eu jamais havia feito um curso de espanhol.


Melhor voltar ao jornalismo. Foi o que fiz. Anos mais tarde, já em São Paulo, por duas vezes fui convidado para participar de uma banca na Universidade Federal de São Carlos, pelo professor Deonísio da Silva, então chefe de Departamento do Curso de Letras. Uma das bancas era para escolher uma professora de Literatura Espanhola, outra uma professora de Literatura Brasileira. Deonísio sugeriu-me participar, como candidato, de um futuro concurso. Impossível, eu não tinha o curso de Letras. Quanto a julgar a candidatura de um professor de Letras, isto me era plenamente permissível.

Por estas e por outras – e as outras são também importantes, mas agora não interessam – não estou lecionando. Diz a lenda que na universidade da Basiléia havia um dístico no pórtico, indicando as três vias de acesso à universidade: per bucam, per anum, per vaginam. Lenda ou não, o dístico é emblemático. A universidade brasileira, particularmente, é visceralmente endogâmica. Professores se acasalam com professoras e geram professorinhos e para estes sempre se encontra um jeito de integrá-los a universidade. A maior parte dos concursos são farsas com cartas marcadas. Pelo menos na área humanística. As exceções ocorrem na área tecnológica, onde muitas vezes a guilda não tem um membro com capacitação mínima para proteger. Contou-me uma professora da Universidade de Brasília: “eu tive muita sorte, os dez pontos da prova oral coincidiam com os dez capítulos de minha tese”. O marido dela era um dos componentes da banca. A ingênua atroz – ou talvez cínica – falava de coincidência.

Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo. No fundo, a universidade ainda vive no tempo das guildas medievais, que cercavam as profissões como quem cerca um couto de caça privado. Na Espanha e na França, desde há muito se discute publicamente a endogamia universitária. Aqui, nem um pio sobre o assunto. E ainda há quem se queixe quando os melhores cérebros nacionais buscam reconhecimento no Exterior.

Publicado pelo Mídia Sem Máscara

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De meu anseio pelo fim da Varig

June 25th, 2006 by Pedro Sette Câmara

Por conta de meu trabalho de intérprete, recentemente vi uma autoridade estrangeira dizer que a “a Varig é o Brasil, e o Brasil é a Varig”. Com licença para a breguice, preferia que tivesse dito que o Brasil é a Gol, uma empresa que funciona e dá lucro. O que dói é que a Varig, num certo sentido, é mesmo o Brasil: gigante, administrada como estatal, esperando sua salvação do governo em vez de fazer o dever de casa. Talvez, se a Varig simplesmente falir, tenhamos um salutar efeito no imaginário brasileiro: a entrada da categoria “é preciso ser competente”.

terça-feira, junho 27, 2006

A volta dos Kikos Marinhos ao Brasil

Depois da moda dos anos 80, chegou a vez de exumar certos modismos lamentáveis dos anos 70. Agora chegou a vez de um dos mais retumbantes e fugazes cases de marketing infantil do período: os Kikos Marinhos. Por enquanto, só em São Paulo, em muitas bancas, numa edição que em dois aspectos faz justiça à antiga: é cara (R$ 14,95) e mal-ajambrada.

Nunca tive os Kikos originais setentistas, que todo mundo diz que não funcionavam, mas testei duas vezes os Sea-Monkeys, a versão original americana (que existe sem interrupção desde os anos 60), e posso atestar: dão certo. É só não fazer lambança e ler atentamente o maldito manual. Duas habilidades acima da capacidade da criança (criança?) normal.

Por dentro das embalagens, a espécie de crustáceo que nasce por "mágica" é sempre a mesma. Mas entre os Kikos brasileiros do século 21 e os Sea-Monkeys há grandes diferenças que prejudicam o produto nacional.

Começando pela documentação. Até agora não sei direito se as instruções dos Kikos falam ao adulto ou à criança, ao leigo ou ao aquarista -- de qualquer forma, os itens não se aprofundam em nenhuma questão. O manual completo dos Sea-Monkeys tem 32 páginas absolutamente objetivas.

Qualquer kit básico dos Sea-Monkeys vem com um purificador de água, um pozinho usado para neutralizar metais tóxicos e outros produtos químicos que fazem mal à saúde dos bichinhos, que funciona às mil maravilhas (testei com o precioso líquido da Cedae e deu certo). Uma vez cumpridas as 24 horas de descanso do purificador, é só adicionar os ovos de Sea-Monkeys, mexer e -- plim! -- os bebês-crustáceos surgem em um minutinho. Exatamente como no "truque" de Flávio Cavalcanti diante das câmeras da TV Tupi em 1978.

Em comparação, o procedimento para criação dos Kikos da nova geração é impreciso e ilógico. Pelo preço, o mínimo que poderiam fornecer era um purificador. Nada que, segundo a antiga e venerável tradição brasileira, não possa ser substituído por uma boa conversinha e muito wishful thinking. Pretende-se "recriar um pedacinho do oceano em sua casa" com dois litros (nos Sea-Monkeys seriam apenas 350 ml) de água do mar limpa (como vizinho da -- rá, rá! -- praia do Flamengo, prefiro pular essa hipótese) ou água filtrada com duas colheres de sopa de sal grosso (até agora, nenhum controle químico, nem da água, nem do sal). É preciso esperar 24 a 36 horas para a eclosão. Ninguém do lado de cá do Sistema Solar vai ter essa paciência toda.

E tudo que era opcional (e pouco necessário) nos Sea-Monkeys se torna essencial nos Kikos Marinhos: deixar perto de uma lâmpada de 40 watts sob o aquário, usar um aerador "para manter a oxigenação constante no fundo do aquário" e manter o pH entre 8 e 9 (pH? What's pH?).

Em todos os casos, lá como cá, temos como divulgação uma família de bichos antropomorfos a separar as crianças não-otárias das que acreditarão que o pozinho "mágico" se transformará exatamente naquilo. Sendo que, pelas caras dos personagens dos personagens dos Kikos brasileiros, parece que há alguma coisa na água que os deixa em permanente estado de doidice.

Reminiscências de viagem: Tax Free funciona

Quase dois meses depois que voltei de Buenos Aires, enfim tenho a confirmação no extrato: o Tax Free argentino realmente reembolsa através do cartão de crédito. No total, 18,84 dólares creditados ao saldo do cartão. Excluídos outros fatores, só mofou na fila do guichê em Ezeiza quem quis.

Essa é uma prova documental de que o Tax Free, pelo menos o Tax Free, é digno de confiança -- não de que os argentinos sejam dignos de confiança. Primeiro, não é neste blogzinho que vou me meter a fazer um juízo genérico e definitivo sobre todo um povo. Segundo, o extrato indica "Sweden" como país de origem do crédito.

Ainda copiando e colando

Videoteca anti-Molusco O PSDB não pôs seu vídeo on-line, mas o PFL pôs o seu arrasador "Brasil, um país decente, não merece essa gente". Minha diversão, aliás, tem sido buscar no YouTube vídeos anti-lulistas. Este dá uma mostra do humor sofisticado e cosmopolita do Molusco Marinho. Este apresenta o então candidato petista dizendo a Boris Casoy que não haveria aliança entre o Brasil lulista, a Cuba castrista e a Venezuela chavista (sei, sei). Este traz Lulla falando sobre Collor. Por fim, este elenca algumas "realizações" da Era Lula. Se souberem de mais algum interessante, avisem, ok?

[FM]

quinta-feira, junho 22, 2006

Ainda copiando e colando

20.6.06

Uma perda gigantesca

Ainda não consegui absorver o impacto da notícia de que a revista e site "Primeira Leitura" encerrou suas atividades. Estou naquela fase de negar e me recusar a acreditar que é verdade. Como pode, impossível, uma revista daquela qualidade, com textos tão bons e que aparentemente só vinha crescendo ultimamente ( vide aumento do número de colaboradores ). Só pode ser mentira.
Em breve, quando perceber que não terá mais volta, entrarei na fase de xingar a Deus e o mundo e reclamar da injustiça que é esta notícia. Não, eu não mereço isto, nós todos que lemos a revista não merecemos, Reinaldo Azevedo não merecei isto. Deus é injusto mesmo, enquanto PriLei fecha coisas como Observatório da Imprensa e Caros Amigos seguem numa boa.
Quem sabe eu consiga chegar ao terceiro e último estágio que normalmente passo quando recebo notícias chocantes, o de aceitação com pesar. Tá bom, a vida é assim mesmo. Os medíocres no Brasil sempre se dão bem. O mérito "neste país" sempre é punido, a virtude não é valorizada. A vida é assim mesmo, como poderia sobreviver uma revista que se opunha radicalmente ao projeto petista de poder? Ao modo de pensar esquerdista ? Jamais. "Este país" realmente não merecia uma revista daquelas.
Ainda estou no primeiro estágio. E devo permanecer nele por um bom tempo. Ainda reclamarei com Deus. Espero chegar a aceitar este fato. Mas o difícil será seguir numa boa enquanto o blog de Reinaldo Azevedo não vier ao ar!

Recordar é viver

Gushikenices e as armas de enganção em massa

Por Paulo C. Barreto - 07/04/2004

Então o ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, deu uma olhada nos jornais e tevês e ainda achou pouca a subserviência da imprensa ao governo Lula.

Pelo conjunto de sua carreira e pelo dever do ofício, Gushiken é o primeiro a conhecer a hegemonia dos "companheiros" nas redações. Sabe que, diante da grande causa, nem a mínima dissensão pode ser tratada como algo menos que uma força desagregadora. É por isso que questiona a imprensa que "opera com o raciocínio de explorar o contraditório e que muitas vezes fomenta discórdia e disputa de egos, quando são apenas discussões de idéias".

É por isso que podemos esperar chumbo grosso do ministro. Quando o assunto é defender o regime, ele não brinca nem com a brincadeira.

Por vários anos fui colaborador regular da revista Mad brasileira. Sim, aquela das sátiras de filmes, Respostas Cretinas para Perguntas Imbecis, Dobradinhas e Livros do Ódio. Em 1994 fui encarregado de escrever roteiros de quadrinhos satirizando os dois principais concorrentes à presidência, que ganhariam matérias de capa em edições consecutivas. À época do encargo, ninguém tinha certeza de quem realmente venceria. Lula estava em queda nas pesquisas, mas ainda liderava; por isso, sua "homenagem" veio primeiro.

Escrevi uma fajutíssima entrevista com o candidato, com ênfase em detalhes (sobejamente conhecidos) de sua biografia e sua personalidade, acompanhados das devidas ilustrações. Enfim, nada que os leitores normais da Mad não esperassem, excluídos os militantes radicais e os puxa-sacos contumazes. Um leitor, representante de pelo menos um desses dois grupos, contra-atacou num piscar de olhos.

Em 13 de setembro de 1994 foi enviada ao fax da redação da Mad a carta de Nelson Jandir Canesin, de São Paulo, acompanhada de um abaixo-assinado de 25 nomes (somando a folha de rosto, era um despacho de quatro páginas). Dizia a mensagem:

"O último número da revista Mad, satirizando a candidatura Lula, é de tamanho baixo nível que chega a assustar. Os desenhos e as frases estão carregadas de preconceito não apenas em relação a um candidato a presidente, mas aos trabalhadores em geral. (...) Vocês da revista Mad estão seguindo a trilha aberta pela Rede Globo que aposta na ignorância política de toda uma nação e utiliza seu poder de mídia para fabricar e eleger o candidato que bem entender. Vocês ajudaram a fixar entre seus leitores a visão estreita de que operário serve apenas enquanto está na fábrica produzindo, e que política deve ser feita apenas pelos 'letrados'. Por acaso vocês não sabem que são estes mesmos 'letrados' que estão no poder a [sic] quase 500 anos e que são os responsáveis pela manutenção no Brasil de um dos piores índices de desigualdades sociais do planeta? (...)"

A isto seguiam-se a assinatura de Nelson e as outras 25, muitas difíceis de ler, mas todas acompanhadas dos números das carteiras de identidade. Deve ser coisa autêntica: um bajulador amador não se daria sozinho ao trabalho e à despesa do fax para o Rio só para peitar uma revista que todo mundo (menos ele) sabia que era disso que o Aurélio define como "qualquer escrito ou discurso picante ou maldizente, crítico; troça, zombaria, ironia; censura jocosa."

Quem assumiria esse encargo? A folha de rosto e os cabeçalhos de cada uma das páginas revelavam: o fax tinha sido transmitido do escritório paulistano do deputado federal Luiz Gushiken.

Por mera hipótese, suponhamos que Nelson Jandir Canesin, de carta na mão, tenha batido à porta de Gushiken em busca de ajuda, e que tivesse sido atendido. Talvez até o deputado conhecesse a fama da Mad e dispensasse sumariamente qualquer participação no envio do fax. Ou o ocupado parlamentar, através de um "quem indicou" razoavelmente bom, tenha recebido a carta e ficado tão "impactado" com o abaixo-assinado que foi conferir a revista que enfureceu Canesin & Cia -- e, depois de detalhado exame da matéria, respondeu: "Tá certo que a Mad pegou pesado, mas aquilo é sátira, entendeu? Sá-ti-ra! Fichinha diante do que nossa turma fazia com os milicos! Eu é que não vou gastar verbas de gabinete para passar recibo de lambe-botas do chefe."

Como nada disso ocorreu, é mais fácil acreditar que o deputado não leu a carta nem a sátira: qualquer um, na era pré-Internet e pré-torpedo, poderia entrar no escritório de Luiz Gushiken e faxear a mensagem que quisesse, com a inocência de quem envia uma carta para a mamãe. Já que é o pagador de impostos que banca o interurbano, que há de mau nisso? Isso é que é isenção olímpica diante de picuinhas eleitorais, deixar o barco correr -- mesmo que, entre a produção da matéria e a chegada da revista às bancas (portanto, sem que o "poder de mídia" da Mad tivesse a menor culpa), Lula já tivesse caído para o segundo lugar nas pesquisas, com sério risco (substanciado afinal) de não disputar o segundo turno. E, com isso, credenciar-se a um dia assumir um ministério e dar pitaco na falta de reverência da mídia.

Uma das materinhas da revista Connect

Eu que fiz! Eis como foi republicada no WNews:
Tutorial: tire o máximo do seu smartphone

quarta-feira, junho 21, 2006

Copiando e colando

TGV: FRB Mark II

Como vimos pelos últimos dias, a "Fundação Ruben Berta Mark II", ou seja, o grupo autodenominado "Trabalhadores do Grupo Varig", insistiu fortemente para que o juiz Luis Roberto Ayoub homologasse a venda da Varig para a sua fachada corporativa, a NV Participações. De tanto insistir, a TGV teve o que queria -- e a venda foi homologada.

Agora, resta a eles colocarem o cascalho na mesa, e revelar os tais investidores, até sexta-feira que vem. Contudo, como o próprio TGV já admitia meras horas depois da homologação -- e que confirmam novamente -- eles não vai conseguir depositar os 75 milhões de dólares até sexta-feira, prazo máximo.

Ao que parece, Ayoub chamou o blefe deles, por talvez ter perdido a paciência com os Pretorianos do TGV. E agora, a coisa explode na cara deles, insistindo na conversa fiada de "investidores" que ninguém sabe quem são, de onde vem, para onde vão. Literalmente, compraram algo pelo qual não tem como pagar.


É para com funcionários com este tipo de atitude patética e nociva a quem a Varig vai ser confiada? Se for, é como havia dito antes... tudo vai continuar como era antes na Air Abrantes.

terça-feira, junho 20, 2006

Oh, céus! Mataram Bussunda

"Você conhece o Bussunda? De verdade? Fala sério!" Estou acostumado: há uns dezoito anos essa pergunta ressurge de vez em quando da parte de algum colega de trabalho, contato internáutico ou parente que não era nascido no tempo do disco de vinil. É a pura verdade.

Claudio Besserman Vianna, que só os absolutamente desavisados não chamavam de Bussunda, era um desconhecido dos telespectadores quando fomos apresentados. Mas já era engraçado como sempre, destaque natural dos shows de Casseta Popular e Planeta Diário (a marca Casseta & Planeta só seria lançada mais tarde). Não por falta de números que deixavam o público roxo de rir, pois tínhamos Hubert cantando "Garota de Ipanema" imitando Paulo Francis e a dupla metaleira-sertaneja de Beto Silva e Marcelo Madureira que os fãs televisivos definitivamente não conheceram.

Por mais equilibrada que fosse a escalação do elenco, Bussunda roubava todas as cenas, balançando a pança como se fosse a criatura mais sexy do mundo ou fazendo paródia de Tim Maia na arquiconhecida (mas até então inédita em disco) "Mãe é mãe". Ocupar seu espaço merecido no horário nobre da Globo foi uma questão de tempo. Bussunda foi o melhor exemplo de humorista que fazia graça como Ronaldinho Gaúcho joga futebol: fazendo o que gostava desde criança, conquistou fama e fortuna. Até hoje a intelligentsia não aturou o desaforo.

Em 1988, entre um show e outro, a atividade mais visível dos "cassetas" era produzir a revista Casseta Popular, à qual devo o início da minha vida profissional. Foi assim, afinal, que conheci Bussunda e toda a turma. Mas o que garantia o grupo era a participação na usina de idéias que alimentava TV Pirata, o programa que hoje é lembrado de forma unânime como divisor de águas do humorismo brasileiro.

Descontando a oposição dos humoristas da velha guarda, que consideravam o TV Pirata uma ação entre amigos da Zona Sul do Rio cujo humor não representava os sentimentos da massa analfabeta, o conjunto das ações da trupe Casseta era torpedeado à esquerda e à direita por denúncias de hipocrisia. De um lado, os "cassetas" produziam uma revista absolutamente anárquica, feita para não agradar a quem se levasse minimamente a sério, mas que se pautava pelo oceano de escândalos do governo Sarney para expor alegoricamente a Grande Suruba Nacional. De outro, trabalhavam para as Organizações Globo, sustentáculo de Sarney, império adesista, símbolo de tudo que a revista denunciava.

Algum espanto nisso? Há tempos e tempos a nata da esquerda cultural brasileira já estava abrigada sob o guarda-chuva da Globo, e Casseta & Planeta (ainda só como banda) não foi exceção, emprestando seus dotes musicais à campanha de Lula em 1989 -- o grupo cometeu um atentado à independência que não repetiria nas eleições seguintes. Não existiu "entrega ao sistema": a Globo é que se dobrou à metralhadora giratória casseteana, não o contrário. Bussunda, como símbolo maior do Casseta & Planeta, só queria fazer o que fazia sempre, e melhor que fosse na Globo do que se continuasse na pindaíba vendendo jornaizinhos engraçadinhos nas filas dos cinemas.

É nessa dimensão que podemos ver uma grandeza de Bussunda que as câmeras do Casseta & Planeta, Urgente!, de 1992 em diante, não revelavam. Um homem que combinava seu talento inato para a comédia com uma simplicidade pessoal surpreendente; um profissional do nonsense com senso de responsabilidade, que amava seu público e oferecia o que o povo gostava (a isso devemos a vida longa do Casseta & Planeta), e que encontrava na dedicação à família e na investigação intelectual uma dimensão maior para sua vida do que simplesmente se dar bem na televisão. Tinha um sentido de missão maior do que fazia crer o estereótipo do carioca praiano-folgado-cervejeiro-mulherófilo-futebolista (emblematicamente, morreu durante a Copa), e que também não combina com outra característica que enlameia a reputação do carioca na vida real: o anarquismo de salão, a tendência a deitar falação julgando a tudo e a todos sem ser julgado por ninguém, a pretensão de representar a lucidez moderadora acima de conceitos ideológicos caquéticos.

Não foi para fazer esse papel que o jovem Bussunda desembarcou do Partidão, ignorou as patrulhas da ortodoxia e seguiu uma longa trajetória até assumir o posto informal de voz da consciência nacional, traduzindo em personagens e imitações tudo que os noticiários servis jamais ousariam dizer. Isso causou um desgaste. Até a hiperinflação de Sarney e o impeachment de Collor pareciam se prestar a boas piadas, contanto que houvesse uma esperança de luz no fim do túnel. E os próprios "cassetas" sempre souberam que Lula, a esperança personificada da "geração Casseta", não escaparia de suas gracinhas. No fundo, previam que o "partido da ética" era puro bafo. Mas a máquina de previsões deu tilt. O que se pode dizer de engraçado de hordas orquestradas impondo toque de recolher na maior cidade da América do Sul, e outras hordas quebrando o Congresso Nacional? Como imaginar Lula de mãos dadas com Sarney elogiando a Ferrovia Norte-Sul, símbolo maior da picaretagem da Nova República -- e ainda despontando como candidato único, fadado a vencer no primeiro turno?

Diante do olhar cômico de Bussunda, a realidade descambou para o punk: não há futuro. O Brasil atravessou o limite da anedota útil. O infarto foi apenas o instrumento. Por trás do eterno sorriso, o desgosto matou Bussunda.

domingo, junho 18, 2006

Adeus a Bussunda

Transmito diretamente da fila do velorio do Bussunda. Misturam-se camisas do Brasil, do Flamengo e do Tabajara. Incontaveis equipes de reportagem. Breve, minhas impressoes sobre a tragedia.

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[]s,
Paulo

quinta-feira, junho 15, 2006

9.6.06

Obrigado por nos lembrar Ronaldo!

Lula conseguiu fazer com que o povo brasileiro, em plena Copa do Mundo, se lembrasse de um de seus defeitos mais graves. Clique aqui para ouvir o que Ronaldo gostaria de saber sobre Lula!

"Por sorte, todo o país bem sabe que tudo não passa mesmo de intriga de jornalista. Nem Ronaldo exagera nos sólidos nem Lula se esbalda nos líquidos. É pura fofoca. Restou ao signatário do blog uma única dúvida: o que será que o magro tanto deseja perguntar ao sóbrio?" ( Josias de Souza sobre o episódio )

Mais sobre o etos orkutiano

Aqui. Minha única ressalva: qualquer "estatística" baseada em números do Orkut deve ser tomada com um grão de sal. Mas e daí? Números por números, Ibope e similares vaticinam que o Supremo Apedeuta será reeleito no primeiro turno com o chicote debaixo do braço, sem alianças, com oposição sub-simbólica, a bordo do verdadeiro Brilho Eterno de uma Mente (coletiva) Sem Lembranças. O Brasil é um atentado à estatística.

quarta-feira, junho 14, 2006

Sobre o leilao da Varig (deu no Primeira Leitura)

"O advogado da NV afirma que, ao pedirem que o pagamento de R$ 500 milhoes (metade do total) seja feito 'a vista, e nao em 20 anos, eles impediram o juiz de homologar a proposta já' na sexta-feira, o que levou ao arresto de aeronaves e ao cancelamento de voos. Entao ficamos assim: eu ofereco R$ 1,010 bilhao por uma empresa, nao apresento nenhuma garantia, me candidato a financiamento oficial e exijo prazo de pagamento de 20 anos. Se voce indagar a origem de meus recursos ou se tenho garantias a apresentar, vou 'a Justica processa-lo."

terça-feira, junho 13, 2006

Uma civilização (algo) superior

Esqueçam Maradona, finjam que Evita nunca existiu, convençam-se de que Carlos Gardel não começou a cantar melhor depois de morto. No mínimo, um país onde o garrafão de água tem alça (alça!) não pode ser considerado um lugar totalmente entregue à barbárie. Ou os brasileiros são burros demais para descobrir algo tão prático, ou são escravistas enrustidos que acham chiquérrimo receber a visita do menininho carregando um garrafão como um pigmeu de safári de historinha.

Porém, como no Passport, o que importa é o conteúdo, e nesse o Brasil é campeão garantido: a água mineral da Argentina é salgada. Essa é a impressão unânime de quem esteve lá e tentou escapar das gaseosas (caras) e dos vinhos (mesmo os baratinhos são excelentes, mas não servem para matar a sede a qualquer hora). Experimentei várias marcas e, em diferentes intensidades, sempre senti aquele gostinho meio salgado -- em flagrante contraste com a comida, que é feita quase sem sal. Vai entender.

O problema deve ser bem sério. Numa placa enorme na movimentada esquina de Santa Fé com Callao a água de marca XYZ anuncia sua grande vantagem: baixo teor de sódio. Em Campos do Jordão, Paraíba do Sul ou Caxambu ninguém nem sabe o que é sódio. Que felicidade foi beber a maravilhosa água mineral brasileira no vôo de volta.

Vai ver que, no fundo, apesar do desprezo dos degustadores brasileiros, a água argentina é muito boa. Nesse caso, mutatis mutandis, serve para o produto alviceleste a avaliação de certas águas do parque de São Lourenço: podem ter milhões de propriedades medicinais, mas ainda assim têm gosto de cano enferrujado. Posted by Picasa

Para não dizer que não lembrei dos hermanos...

Busto de William Shakespeare no Parque de Palermo, Buenos Aires. Obviamente os argentinos odeiam os britânicos. Posted by Picasa

Leis que gostaríamos de ver

É proibido avaliar a popularidade de um indivíduo, grupo ou conceito baseando-se na quantidade de comunidades no Orkut a ele dedicadas, ou na quantidade de usuários cadastrados nessas comunidades.

1 x 0

Issozinho?

segunda-feira, junho 05, 2006

Meus recados de mim para mim mesmo

Podem ir direto e reto ao post anterior.

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