Adeus à celulose
(imagem originariamente em preto e branco; clique para ampliar)
Ainda aproveitando as férias, redescobri na casa de meus pais uma das fotos que mais me chamavam a atenção na velha Enciclopédia Barsa. Já nas minhas investigações infantis me parecia inevitável que o livro de papel, no mínimo, teria sérios concorrentes. Só restava a mim, à enciclopédia e aos futurólogos descobrir como e quando.
Quase não se fala mais em livros inteiros em microfilmes do tamanho de um selo (na verdade, quase não se fala mais em selos). Mas o suporte físico dos livros não-papelistas é o que menos importa. Considere-se que em 1980, ano dessa edição da Barsa, ainda era duvidoso se os microcomputadores emplacariam em quantidade e importância. A estimativa de 60 mil volumes numa gaveta de arquivo foi ultrapassada com folga. Aí o poder dos micros se realizou numa novidade impensável na ortodoxia da Guerra Fria: uma rede mundial descentralizada e aberta a usuários comuns. Por fim, diante do crescimento monumental da massa de dados, uma série de competentes mecanismos de busca permitem achar quase num piscar de olhos tudo que é relevante na rede.
Muito se fala, desde o tempo do Napster, sobre a revolução do MP3 e sobre como o troca-troca de arquivos entre usuários abalaria a estrutura jurídica que apóia as fortunas indecentes de artistas chinfrins. Nenhuma palavra, porém, ao (por que não chamá-lo assim?) intercâmbio de livros inteiros na internet, que é fácil, rápido e voa por baixo da antena de radar antipirataria. Um texto de trezentas páginas, enviado e recebido sem grandes preocupações com direitos autorais, ocupa um arquivo de um oitavo do tamanho do MP3 de uma música de parada de sucessos. E nem falei ainda das redes de troca de filmes e seriados.
Por que, então, a cortina de silêncio sobre os livros? No melhor estilo da Era Lula (mas o fenômeno é mundial), os "intelequituais" fingem que não vêem ou se recusam a ver o que se passa debaixo de seus narizes empinados. Não conseguem tolerar a leitura de livros que não seja nos tradicionais volumes de pasta de celulose solidificada, que podem ser cobrados, controlados e eventualmente bafejados com "políticas públicas" favoráveis à patota de sempre. Os jornais tradicionais estão sucumbindo à concorrência online. Com a internet à disposição em toda parte, até quando o leitor pagará por tinta e papel em troca de notícias de ontem?
Peço licença aos profissionais do mercado editorial, aos preciosistas da leitura, aos fetichistas do livro impresso, aos cultores da biblioteca-monumento e aos tecnófobos em geral: se o internauta é capaz de passar um tempão, sem reclamar, com os olhos grudados no monitor lendo noticiários, recadinhos no Orkut e canais de bate-papo, não há que se pensar que seu comportamento seja essencialmente diferente com os livros digitais. As "pessoas maravilhosas" do mundinho intelectual não serão atropeladas pelo progresso. Já foram.
Claudio de Moura Castro, em artigo recente para a Veja, foi dos poucos a se preocupar com o assunto. Com grande conhecimento de causa, ele nos lembra que, no ambiente universitário, papel virou coisa de rico. Até o papel dos livros xerocados, uma espécie de pirataria que os professores (que não estão em nenhum mundo à parte dos "intelequituais" que se fazem de cegos) sempre olharam com grande condescendência visando a um bem maior: a disseminação do conhecimento. O caso é ainda pior nos estudos jurídicos. As leis mudam a todo momento, pois são uma penca de palpites nas cabeças dos legisladores de plantão. Desse jeito, os livros de Direito ficam desatualizados mais rapidamente do que uma versão do Microsoft Office. É preciso investir notas pretas em edições mais ou menos úteis. Em casos como esse, não vejo esperança fora do livro eletrônico. Quem ficar para trás e seguir conformado ao cartel editorial-universitário ficará mais pobre ou menos atualizado. Ou as duas coisas.
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