sábado, fevereiro 28, 2004

Conteúdo? Brasil?


Num passado recente, ocupar duas páginas inteiras de um grande jornal diário era coisa para reportagem-bomba ou anúncio de lançamento imobiliário de alto luxo. Pois, aproveitando o clima de semicarnaval, o jornal O Globo de 20 de fevereiro ocupou o espaço com um anúncio da própria casa. Mais especificamente, o latifúndio de 3.085 centímetros quadrados de papel e tinta colorida, no espaço nobre do primeiro caderno, divulga o resultado de um debate intelectual promovido pela Rede Globo em associação com a PUC de São Paulo: o seminário Conteúdo Brasil. De um jeito ou de outro, a crise é grave: ou o jornal não sabe o que fazer com o espaço sobrando, ou o investimento é melhor do que parece.

Pois o Conteúdo Brasil, realizado em 12 de fevereiro com a presença de Ariano Suassuna, Arnaldo Jabor, Miriam Leitão, Hector Babenco, Marieta Severo e dezenas de outros, teria tudo para ser mais um lance de masturbação cerebral da intelligentsia. A diferença foi a presença de tantas personalidades da mídia (que, bem à brasileira, são tidas como "intelectuais") e o patrocínio da organização privada outrora tão xingada pelos "produtores de conhecimento" universitários brasileiros. Surpreendente? Nem um pouco.

A TV aberta, espaço de exercício do "monopólio" da Globo que a esquerda denunciou raivosamente por tantos anos, desce a ladeira, ferida pelas guerras da baixaria e pelo bombardeio das mídias alternativas -- o videocassete como bem de consumo popular, o DVD, a TV a cabo, a Internet. E a Globo (que sempre teve em sua folha de pagamento a fina flor da esquerda nacional) embarca na mais deslavada manipulação ideológica de seu conteúdo. Afinal, se a TV da família Marinho sempre foi taxada de governista, por que agora seria diferente?

É nesse contexto que o documento final da assembléia é a mais extensa súplica de mais do mesmo. Admitindo seu poder de lavagem cerebral da mídia por seu "forte impacto sobre o modo de fazer, criar e viver dos brasileiros", a intelligentsia pede "proteção para o setor de serviços culturais" (cotas de tela e similares), "investimento do Estado para a produção e circulação de bens culturais", "mecanismos (incentivos e taxações) que impulsionem o desenvolvimento", "ações que garantam o controle do emprego e da renda para o Brasil" e "políticas tributárias adequadas" para "aumentar a produção de conteúdo nacional".

É claro. Quem produz conteúdo nacional digno do nome? A Globo, ou a TV "brega" que passa o dia transmitindo leilões de tapetes, cultos evangélicos e "jornalísticos" de copiar-e-colar? Qual das duas teria mais medo das cotas de tela? Mantida a restrição atual à entrada de capital estrangeiro nas empresas de mídia, qual das duas será menos beneficiada?

Uma vez amestrada a concorrência direta, falta encaixar nos trilhos a alternativa digital. O documento final do grupo de discussão 3, intitulado "Papel e limites do capital estrangeiro na produção cultural brasileira", clama pela "regulamentação dos novos canais de veiculação de conteúdo (Internet, TV digital, telefonia fixa e móvel), respeitando a liberdade de criação e expressão". Se é para não mexer no conteúdo, qual é a lógica da regulamentação?

Como explica o documento do grupo 4, o espectro eletromagnético, meio de transmissão da TV aberta, "é um bem escasso e por isso foi regulado pelo Estado. Já a infra-estrutura para Internet não é escassa e por isso não teve regulamentação." Só que, na seqüência, a lógica se perdeu no caminho: "Quem 'transmite' uma estação de televisão ou um jornal na Internet não tem absolutamente nenhuma regulamentação. Isto é uma assimetria, na regulamentação, que deve ser estudada e que pode levar à criação de um novo marco regulatório."

Tradução: a Internet não está regulamentada... ainda. Graças a Deus. Qualquer cidadão livre pode criar seu próprio noticiário online, sem ter que beijar a mão de poderosos em busca de concessões, sem gastar rios de dinheiro (e, conseqüentemente, sem depender de megaanunciantes), e dar seu recado ao mundo inteiro. Melhor ainda: com credibilidade crescente. Quem ainda pode levar a sério uma grande mídia como a do Brasil, sempre suspeitamente unânime em torno das mais graves das questões, governista até a medula, caixa de ressonância da manipulação ideológica?

Para quem já está por cima, e tem a tropa de choque intelectual a seu serviço, é urgente varrer essa concorrência inconveniente. Ainda que para debaixo do tapete.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Você percebe que o fim está próximo quando...


Essa promoção dos mini-CDs da Coca-Cola, como "troca", é altamente suspeita. Além das tampinhas regulamentares, é preciso entregar 3 reais em "troca" dos CDzinhos. O freguês não pode trocar tampinhas por CDs sem o adicional monetário; também não tem como comprar o CD, ao preço que for, sem provar que consumiu refrigerante suficiente. Se a Coca-Cola pode promover uma megaoperação de venda casada, por que não a megaindústria de bebidas concorrente? O padeiro da esquina? Eu mesmo no Mercado Livre?

Pois eu dispensaria as tampinhas e ainda acharia caro o CD a 3 reais. É verdade que o mini-CD é um padrão tradicional da indústria, tão antigo quanto os próprios disquinhos prateados, e com alguma presença internacional. Mas, se nunca emplacou no Brasil, agora é tarde para uma tentativa desse porte. Antigamente poderia fazer sentido poupar uns centavinhos no que custa menos no produto fonográfico: a própria bolacha plástica. Hoje o mini-CD é pouco mais que uma sovinice industrial que não compensa os problemas práticos crescentes. Pequeno demais, não funciona em CD players de veículos, certos tocadores de mesa antigos e vários drives de computador. O ouvinte típico, que não dá a mínima para instruções de segurança, poderá destruir seu querido aparelho. Pior ainda: na era da Internet rápida, a exumação do conceito do compacto não faz muito sentido.

O público-alvo da promoção não se lembra do compacto (nenhuma relação com o compact disc), o disco de vinil de sete polegadas com uma ou duas músicas gravadas em cada lado. De forma semelhante, o mini-CD da promoção traz cinco ou seis faixas de artistas variados. Como no compacto de vinil, a idéia é oferecer só as faixas que interessam, poupando o ouvinte do custo de um álbum inteiro. Faz sentido? Faria se os gênios do marketing tivessem mandado varrer do mapa da Internet todos os Kazaas e eMules. Como se não fosse difícil o bastante, ainda teriam que apagar das mentes de milhões de usuários qualquer lembrança da existência do Napster "clássico" e de seus incontáveis sucessores e imitadores.

Baixar meia dúzia de faixas (escolhidas pelo usuário, não pela gravadora dos disquinhos) ficou tão rápido e fácil que o usuário se sente um otário em não experimentar as delícias do crime. E, com um gravador de CD disponível em qualquer computador contemporâneo, qualquer criança consegue produzir um CD. De tamanho normal, incapaz de destruir o player do carro. Por isso tudo, a promoção da Coca-Cola é emblemática de uma morte anunciada: para o bem ou para o mal, quem continuar investindo na indústria fonográfica vai entrar pelo cano.

*****

Mas não é que a idéia do mini-CD tem suas vantagens? Ser bom com espaço de sobra, todos pensam, é facílimo. Todo intelectual quer espaço, espaço, espaço. Se fosse diferente, pelo menos seria bem mais divertido. Tom Zé teria que fazer caber suas obras completas num daqueles mini-CDs. Arnaldo Jabor passaria seu recado nos 15 segundos do Enéas -- uma vez só, sem direito a cadeia nacional obrigatória. Todo o Cidade dos Homens seria exibido num cantinho do tempo de tela de uma ONG. Regina Casé animaria excursões rodoviárias a Ciudad del Este. Joãosinho Trinta gozaria a aposentadoria montando maquetes de escolas de samba com Pinos Mágicos e bonecos Playmobil.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Ainda sobre o assunto...

Mais por menos


Alguém ainda se surpreende com as denúncias estrepitosas da IstoÉ Dinheiro sobre a má situação do UOL? Quem tiver motivos sérios para continuar pagando a assinatura, por favor, levante o mouse. Endereço e-mail consegue-se grátis em qualquer biboca - e, quase sempre, com direito a sistemas de webmail bem superiores. Se a questão for o acesso discado, os concorrentes oferecem, sem cobrar um centavo. No entanto, disposto a tirar suquinho do filão dos modems e das linhas telefônicas, o UOL montou seus próprios meios de provimento discado e deixou de renovar os contratos com seus franqueados. Os provedores "nanicos" que se abrigavam sob o guarda-chuva do UOL foram deixados na mão. Os usuários foram os últimos a saber que não só perderam acesso aos números dos provedores de costume, como agora dependeriam de um programa específico, o Discador, para encontrar os novos números "automagicamente". Como o UOL pensa que os usuários ejetados obteriam o Discador? Pelo iG?

Resta o diferencial do conteúdo, muito bom, mas que virou uma brincadeira cara de baixo retorno. Ainda assim, o usuário do UOL já não tem mais acesso ao conteúdo da Abril nem pagando: com ou sem portal, a Abril decidiu montar seu próprio site. Sinal dos tempos.

Antigamente não havia grandes portais, só alguns grandes provedores que atraíam audiência por sua própria natureza. Lá pelos últimos anos do milênio passado é que os brasileiros adotaram, tardiamente e fora de contexto, o modismo internacional dos portais, marcas fortes em torno das quais orbitava o conteúdo de qualidade (ou seja, o que dava audiência e mantinha os internautas conectados). Mas isso fazia sentido no tempo da bolha pontocom. Os portais, tornados empresas, confiavam nos investidores para pagar a conta do banquete. Quanto mais grátis, mais barulho; quanto mais barulho, maior o sucesso na Nasdaq.

Só que em pouco tempo multiplicaram-se os motivos para o usuário se manter online o máximo de tempo sem depender do produto (e do filtro) dos portais. Primeiro, Napster e similares hiperturbinaram o troca-troca de arquivos que já era uma das grandes atrações do IRC. Segundo, o Google mostrou quem é que manda entre os sites de busca do ciberuniverso: toda a informação relevante da Internet estava ao alcance dos dedos do usuário. Terceiro, os blogs se tornaram uma fonte de dados diversificada, independente e incontrolável- e, para seus hospedeiros, um Santo Graal da mídia, pois vendem anúncios sem ter que se dar ao trabalho de pagar pelo conteúdo. Quarto, com o acesso por banda larga oferecido pelas companhias telefônicas e operadoras de TV a cabo, alguns provedores destacados ganharam da Anatel uma confortável reserva de mercado: os usuários são obrigados a assinar um dos provedores "eleitos", mesmo que dele não aproveite nenhum conteúdo e que a conexão normal não passe por ele em nenhum momento (é verdade que, nesse setor, há uma disputa de mercado baseada no fornecimento de conteúdo exclusivo. Mas revoguem a ordem da Anatel e vamos ver quanto realmente vale o show).

Como os usuários querem se manter conectados, pouco importa se é para ler os sonetos de Shakespeare ou um blog "kkkkkk pow ae kra blz valew", as companhias telefônicas é que se dão bem. A mesma empresa que opera os telefones fixos é a que tem portal, tem provedor grátis, tem provedor pago e ainda tem serviço de banda larga. Se não ganha numa ponta, ganha mais ainda na outra. Um dia o UOL vai chegar a essa altitude olímpica... quando parar de esperar a segunda bolha pontocom.

*****

Hoje meu computador tem dois HDs que nem são grandes coisas. Ainda assim, a dupla fornece uma capacidade total quase duas mil vezes maior que a do primeiro disco rígido que já tive, há mais de dez anos. Quem viveu aquele tempo sabe que não estou exagerando. Difícil mesmo mesmo é acreditar que os dois HDs novos custaram, hoje, menos que o único HD usado naquele tempo.

Nunca é suficiente salientar a importância desse processo para a difusão da informática. Passeando pelas tabelas de preços da revista Byte de agosto de 1984, um IBM-PC padrão custava 3.354 dólares - no tempo em que a moeda americana era bem mais valorizada - porém, comparado a um Apple II ou um Macintosh, trazia poucos atrativos para o usuário comum. A oportunidade de lucrar atraiu uma chuva de concorrentes. O PC original foi suplantado pelo XT e, sucessivamente, pelos 286, 386, 486 e a família Pentium. Cada um mais barato que o outro, contra as previsões de muitos e os desejos de meia dúzia.

Por volta de 1998 o preço do computador padrão, com especificações decentes para o uso do dia-a-dia em tempos de Internet, começava a arranhar o piso dos mil dólares. Os grandes gênios do pensamento digital não acreditaram. Acenderam o fogo de um debate inútil: o micro baratinho dá mesmo para o gasto ou só existe para enganar trouxas? Antes que dessem o debate por encerrado, já não havia mais piso: pagar mais de 999 dólares por um computador virou coisa de profissionais hiperespecializados, jogadores fissurados e otários com dinheiro sobrando. Sem falar que, cada vez mais, dispositivos como MP3 players portáteis, telefones celulares, palmtops, tocadores de DVD e câmeras digitais dividem tarefas com computadores tradicionais.

Como se a queda dos preços dos novos já não fosse bastante surpreendente, a desvalorização dos usados desafia qualquer cálculo de depreciação. O ilustre usuário pode chorar à vontade, mas o valor dos micros antigos cairá inexoravelmente. A não ser que seja um Mac 512 da Unitron, o clone nacional que (praticamente) não houve e virou peça de colecionador. De resto, toda hiper-mega-workstation um dia vai parar no balcão de ofertas de sucata.

No entanto, há uma crença de que os computadores podem continuar sendo usados por todo o sempre, desde que para fazer sempre as mesmas coisas. Teoricamente, se há alguns anos um 486 servia perfeitamente para editar textos, é só mantê-lo com os mesmos programas instalados e ele continuará editando textos tão bem quanto antes.

Na prática, não há ilhas. Além de custar em energia elétrica e suporte técnico praticamente o mesmo que um computador novo, o antigo terá que encarar o tráfego de rede de hoje, os vírus de hoje, as falhas de segurança de hoje -- cortesia de sistemas operacionais mal reparados e do talento infinito dos terroristas digitais. Que tal tentar rodar um antivírus atualizado num 486? Pois...

Aí entramos numa situação aparentemente difícil: encontrar uma medida razoável de quando o computador pode ser aposentado. Convide-se a um momento de auto-análise e calcule quantas vezes o computador velho se pagou durante seu período de atividade. Não somente em termos de dinheiro: o importante é avaliar tudo que você fez com o micro que não poderia ter feito de forma equivalente usando outros meios. Isto vale até para videogames -- ou aquele seu Atari 2600 foi um mero sugador de verbas?

Um dia, porém, o investimento deixará de dar retorno: ficará mais caro manter a máquina velha do que trocá-la por uma nova. Aí, sim, você poderá se despedir respeitosamente do computador de outrora: "Foi bom... enquanto durou".

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

UOL: amo muito essa briga


O post sobre a reportagem da Dinheiro mexeu com os leitores. Tão logo foi circulado, Luiz Egypto, do Observatório da Imprensa, pediu para incluí-lo na próxima edição. Enquanto atendia a outro pedido de republicação, desta vez no Torpedo, o próprio Egypto retorna avisando que descobriu (antes de mim mesmo) que o Comunique-se já tinha reproduzido o artigo.

E tanto em público quanto em particular, os leitores da listinha de discussão soltaram o verbo sobre a situação desconfortável do UOL. Muito divertido, muito estimulante. Que importa se a capa da Dinheiro faz parte de uma ardilosa vendetta de Domingo Alzugaray contra a Folha? De uma forma ou de outra, o assunto está sendo trazido à luz; um órgão de imprensa ligado a um portal assume os ônus e os bônus de expor a má situação do portal concorrente.

Afinal, desde que se formaram (tardiamente e fora de contexto) os portais brasileiros, todo grande noticioso é ligado a algum grande portal. Parece uma troca justa: um fornece conteúdo de qualidade, outro fornece a tão almejada presença online. Mas cria uma desconfortável situação de dependência mútua. Quem viu a situação por dentro em 1999, quando os investidores alimentaram a política de portais no Brasil, teve muito a lamentar: cada novo lance de expansionismo da Nova Economia englobava mais um órgão de imprensa. Nesse contexto, quem contestaria a própria euforia pontocom? Os jornais que, recém-abrigados pelos portais, não poderiam deixar de se beneficiar da exuberância irracional? Ou os independentes (ou irrelevantes), talvez movidos pela inveja dos grandões que acharam seu lugar na Web sob o guarda-chuva de um portal promissor?

Ninguém deve tirar conclusões fáceis disso. Há poucos e bons exemplos de órgãos de notícias que caíram na Web, mas não abriram mão de sua independência editorial... apesar de ligados a portais. O fato é que, entre os grandões, reportagens como a da Dinheiro eram exceção. O "produto de conteúdo" sob o portal A, que já não estava propenso a criticar o próprio portal A, também não ousaria apontar defeitos no portal B. Poderia levar uma chuva de lama em resposta. Definitivamente, os tempos são outros.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Agora também no

Dinheiro x UOL: Tanto barulho por tão pouco


A revista IstoÉ Dinheiro, na reportagem de capa da edição 337, mostra que o UOL está indo para o brejo. Nada que não fosse sabido e propagandeado desde o estouro da bolha pontocom. O UOL chegou antes; ocupar seu lugar na Internet e na História se tornou uma espécie de destino manifesto a orientar os planos da concorrência. E com a ajuda involuntária do próprio UOL, o trabalho parece cada vez mais fácil.

Como de costume, o brasileiro acha o máximo nutrir certos modismos internacionais, ainda que fora de época e fora de qualquer contexto razoável. A corrosão da política de portais, altamente previsível com o fim do dinheiro fácil, foi uma ficha que custou a cair por estas bandas. Continuamos, em Internet, pensando tudo em termos de associação a grandes portais. Isso fazia sentido quando os pequenos sites podiam lucrar sob as asas acolhedoras dos grandes e bons de marketing, enquanto os grandes tinham a esperança de lucrar na Nasdaq com suas grifes. Esqueçam o que argumentavam (em milhões de páginas que, hoje, fazem a alegria das cooperativas de reciclagem) os teóricos da tal gloriosa Nova Economia: megaportal nunca foi destinado a tirar lucros de sua audiência, mas de seus papéis na bolsa.

Sumiu o dinheiro, sumiu a razão de ser. O UOL, como os outros portais, tem a sólida esperança de reencontrar ambos. Mas o futuro aponta inexoravelmente para grandes sites, não para portais genéricos. Achar que será diferente é como imaginar um eBay como "site de leilões oficial do portal XYZ" ou uma Amazon como "loja virtual oficial do portal ASDFG". Por muito menos o Mercado Livre ganhou luz própria e a Abril, antiga jóia da coroa do UOL, retirou seu conteúdo do portal. Curiosamente, a própria IstoÉ Dinheiro que relata a má sorte do UOL está disponível online, por inteiro e gratuitamente para qualquer internauta do mundo, sob o portal Terra. Desde que o usuário esteja em São Paulo, pagando os pulsos excedentes da Telefônica ou acessando pelo taxímetro do Speedy, que diferença faz se ele consumir tempo ou megabytes no IRC, no Kazaa, em vídeos "proibidos" ou numa rádio de Cingapura? É melhor que seja no portal "da casa", mas produzir conteúdo para portal virou uma brincadeira muito cara para um resultado tão discreto (para dizer o mínimo).

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Este artigo foi originalmente publicado em duas partes no mês de janeiro, na entressafra de atualizações do blog.

Lembrai-vos da reserva


A reserva de mercado de informática foi mais que uma lei absurda. Foi a encarnação de um estado de espírito que vai muito além dos bits e bytes e permanece vivíssimo entre nós.

Por isso, não é exagero relembrá-la em pleno século 21, quando a maioria dos felizes internautas brasileiros era jovem demais para se lembrar do tempo das importações (legais) virtualmente proibidas. Ou, se tinha idade para tal, achava que informática não era para seu bico. Se cochilarem, podem até cair na conversa da patota que distorce a História de acordo com seus interesses ideológicos, infla supostas qualidades da reserva e nos despista da real natureza de suas desvantagens. Como de costume, pior para os fatos.

Castigos tributários, cotas de mercado exageradas e protecionismo para o bem dos amigos, elementos típicos de Terceiro Mundo, sempre fizeram parte da natureza da política industrial no Brasil. A abertura é exceção. Não surpreende que, tão logo os "cérebros eletrônicos" extrapolem os filmes de ficção científica e surjam como algo útil no mundo real, a construção de barreiras ao desconhecido seja muito mais rápida que a absorção da novidade.

A reserva de mercado de informática surgiu nos anos 70 como extrapolação de um fim bem específico: assegurar a autonomia de computação nas Forças Armadas, que, por motivos estratégicos, não poderia depender de fornecedores estrangeiros. Imagine o que aconteceria com os computadores em caso de guerra com o próprio país que os forneceu?

Neste ponto de vista, os resultados estritamente militares seguem inverificados (e provavelmente tão inverificáveis quanto a utilidade do ritual de mostrar os sapatos nos aeroportos americanos na dissuasão de terroristas), muito menos justificam ideologicamente a escalada de efeitos devastadores fora da caserna. Primeiro, a criação de um aparato burocrático destinado ao planejamento central de tudo que se referisse a computadores no Brasil. Segundo, a criação da estatal fabricante de computadores. Terceiro, o fechamento do mercado aos minicomputadores (sem relação com os micros que usamos hoje; aqueles eram muito maiores) que não fossem feitos pelas empresas nacionais autorizadas.

Na prática, a reserva de mercado se tornou um obstáculo regressivo: enquanto as máquinas de grande porte, usadas em sistemas megacorporativos, não estavam cobertas pela reserva, os relativamente menos ricos e menos poderosos eram obrigados a aceitar os mínis verde-amarelos, qualquer que fosse o preço ou a qualidade. A maioria, é claro, continuou usando réguas de cálculo e arquivos de fichas.

Enquanto o regime era militar e o número de donos de computador cabia num ônibus, ninguém parecia dar muita importância. Até que, em meados dos anos 70, um punhado de garotos impertinentes nos EUA rasgou o livro de regras do establishment científico-militar-corporativo.

Primeiro, um certo Bill Gates começou a vender programas de computador como produtos separados -- até então, eram distribuídos de mão em mão entre os especialistas ou vendidos casados com o hardware. A indústria de programação como um todo subiu como um foguete, tornando-se um negócio bilionário e obrigando os velhos titãs do hardware a dividir poder com empresas emergentes. Mais tarde, a dupla de chatos Stephen Wozniak e Steve Jobs se meteu a besta de fabricar um computador pequenino e barato, capaz de ser usado em casa por gente "normal": era o Apple original, logo substituído pelo Apple II -- o primeiro micro pessoal de sucesso.

Quando acordou para os microcomputadores, o governo brasileiro reagiu da forma tradicional: levantando mais e mais barreiras. Em 1979 os micros foram incluídos na reserva de mercado e criou-se a Secretaria Especial de Informática, vinculada ao Conselho de Segurança Nacional. Nada como um verniz militaresco para X, Y ou Z justiificarem como chovia dinheiro federal em sua horta!

Nos anos 80 a demanda de bens de informática no Brasil se tornou incontrolável. De brecha em brecha, as lojas se enchiam de imitações (caras, atrasadas e freqüentemente incompatíveis) de Apples, Sinclairs e TRS-80s, atendendo a quem não tinha a felicidade de conhecer um bom muambeiro.

A Política Nacional de Informática, aprovada em outubro de 1984, foi a cartada final da doutrina computacional da ditadura: além de incluir o software na reserva de mercado, oficializou a proibição da importação de micros, assegurando que os contrabandistas e os fabricantes de clones brasileiros de sistemas internacionais não vissem concorrência em sua frente. Muito menos agora que a multiplicidade de computadores de oito bits saía de cena, deixando o Personal Computer como plataforma dominante.

Pelo menos desta vez estava determinado que as medidas draconianas expirariam em oito anos, tempo em que a indústria e a universidade nacionais já teriam adquirido a musculatura necessária para competir com os gigantes estrangeiros. Na verdade, antes disso, a reserva já tinha caído de podre.

Suponho que a reserva de mercado nunca tenha sido exatamente popular. Entre os usuários finais, longe de questões de segurança nacional, dotações orçamentárias e lobbies protecionistas, não era mesmo. Queriam, como todo mundo, ter direito de escolha, pagar menos por melhores produtos. A afirmação de que o computador nacional era uma "carroça" estava dolorosamente certa. Mas, se a reserva causou prejuízo tão evidente, será que também trouxe tantos benefícios quantos certos internautas com crises de saudosismo andam dizendo?

*****

Quando ouvir alguém protestar contra a "exclusão digital", pergunte o que ele fazia na vigência da reserva de mercado de informática, contra quais poderosos interesses políticos, econômicos e ideológicos ele se batia naquele tempo, e do que ele teve que abrir mão na fidelidade às suas idéias. Fora dessa improvável demonstração de sinceridade, nada existe além do blablablá inútil.

Afinal, o conceito da reserva de mercado pode ser resumido na palavrinha tão demonizada (em discurso) pela esquerda: exclusão.

Para os militares, representava a exclusão estratégica dos estrangeiros, ainda que, como efeito colateral, tenha sido tratado como máquina de guerra até um ZX Spectrum (mesmo para os civis, pouco útil além dos joguinhos) eventualmente contaminado pela assinatura de Sir Clive Sinclair. De fato, nada havia contra o micro em si, pois a imitação brasileira do ZX Spectrum, mais cara e de menor valor (lei de Metcalfe: quanto mais compatível, mais vale. Não era bem o caso), era liberadíssima sob o princípio mais agradável ao "capitalismo" nacional: a exclusão dos concorrentes.

Hoje parece mais claro por que Sharp e Gradiente, em meados dos anos 80, jamais lançaram drives de disquete externos para seus micros MSX, apesar da esperança dos consumidores e das repetidas promessas. Por que lançariam? No dia em que enfrentassem competição de verdade, seus produtos virariam pó. E sistemas de oito bits, como MSX, ZX Spectrum, Apple II e outros, estavam com os dias contados. Esta ficha foi a que mais custou a cair entre os usuários brasileiros (eu mesmo incluído; mea culpa), acostumados pela própria reserva a considerar o atraso como fato consumado.

Por fim, a posição dos devotos do nacional-esquerdismo, a religião mais levada a sério no Brasil: a reserva era a oportunidade de se marcar posição ideológica na exclusão de todo devaneio pequeno-burguês envolvendo bits e bytes. Queimar preciosas divisas para que meia dúzia de riquinhos desfrutasse dos simuladores de vôo e dos processadores de texto dos abutres ianques? Nunca!

Enquanto usuários de máquina de escrever celebravam (eu mesmo incluído; mea máxima culpa) a proibição, confirmada em 1986, das joint ventures que teriam trazido um mínimo de atualização à indústria nacional de informática, podia-se ir às bancas e ler extensas reportagens cantando loas aos poderes da reserva contra a prepotência do governo Reagan -- para que a garotada não tenha dúvidas de que vem do passado o esporte favorito da imprensa nacional. A diferença é que, naquele tempo, todos sabiam que era Moscou que patrocinava (a quem argumentar que a história não era essa, corrijo-me: quem pagava os anúncios era Angola, essa potência da economia mundial, com o dinheiro que transbordava de seus cofres).

Porém, a maior parte dos militantes de esquerda ignorou a expansão da informática enquanto pôde. Para eles, a disseminação maciça de computadores, "inclusão digital" propriamente dita, não passava de uma conspiração ardilosa do grande capital; se tivesse que ser realizada, estaria em penúltimo lugar entre as prioridades do sonhado governo do povo.

Poucos perceberam o óbvio. O prazo de validade da reserva de mercado estava perto do fim, a União Soviética também não duraria muito, e quem continuasse enxergando computadores como brinquedinhos dispensáveis teria grandes chances de fazer carreira como eremita. Quem foi esperto tratou de aproveitar o desmonte lento, gradual e seguro da reserva de mercado para conquistar espaços e aprimorar a velha tática da patota: mudar de discurso sem mudar de idéia.

Internet era coisa para gente de visão. Em todo o mundo ainda duvidava-se que a rede mundial de computadores, então não-comercial e sem interface gráfica amigável, teria algo a ver com a "superestrada da informação" dos planos de Al Gore; no Brasil, para piorar, as telecomunicações estavam sob monopólio estatal. Foi aí que o Ibase, Herbert de Souza à frente, conseguiu uma concessão de Internet que nenhuma outra organização não-governamental obteve.

O pioneirismo rendeu frutos. Logo veio a abertura da Internet para uso comercial, a popularização dos browsers e o aumento incontrolável da demanda. Brasília reagiu como de costume: batendo-se em intermináveis discussões sobre como e quando seria feita a abertura das porteiras aos provedores comerciais. Melhor para o Ibase, que controlava a Alternex, o único provedor autorizado a fornecer acesso em casa a usuários pagantes.

Enquanto as reuniões palacianas andassem em passo de caramujo, excluindo a concorrência, e os clientes da Alternex não contestassem as normas ideológicas da casa, parecia tudo ótimo. Até que, em meados de 1995, tiveram que expulsar um direitista inconveniente. Não era exatamente o Mister Simpatia da Internet, mas era até um moderado diante do que se lia em certos setores do mundo dos BBSs (sempre ignorado olimpicamente pela esquerda organizada, mas onde as correntes de pensamento se faziam representar de forma equilibrada). As pretensões ibaseanas de fazer da Internet um clubinho "progressista" foram jogadas contra a parede. Nada mais delicioso do que assumir o poder e silenciar os opositores em nome da liberdade de expressão!

Daí em diante, num exemplo de cara-de-pau que clama aos céus, consolidou-se a virada de 180 graus no método da esquerda mundial diante da informática, de uma vez, a uma só voz, com a desculpa das "redes nômades" ou o que o valha. Em vez de protestar contra os computadores em si, que consumiam empregos e alienavam a garotada, passaram a reclamar que faltavam computadores para os pobres (digo, os excluídos). O resto, porém, continua igualzinho. Os gigantes da informática, Intel e Microsoft à frente, são os mais interessados em transformar em usuários o maior número possível de pessoas -- mas os americanos levam a culpa por manter a informática como uma espécie de privilégio opressor. A intervenção estatal (contra a vontade de estrangeiros de qualquer procedência) na TI condenou o Brasil ao atraso, à glorificação da pirataria e à baixa população de computadores -- mas a adoção de mais políticas públicas (um sinônimo chique para "verbas") é tida como a solução para turbinar a disseminação da informática.

Você sabe que há algo de podre no ar quando velhos imitadores da Coréia do Norte agora querem resgatar a Coréia do Sul como modelo de protecionismo de qualquer coisa. Bons tempos em que eu ouvia da boca de um militante do PT que os tigres asiáticos eram um exemplo indigno de ser seguido, pois sua prosperidade fora criada artificialmente pelos americanos para conter o avanço comunista sobre a região. E que nem um rio de ouro valia a humilhação de se viver na Coréia do Sul sob as botas dos marines. Perfeito. Se a esta altura do campeonato querem imitar algo do regime de Seul, bem fariam em levar o pacote completo.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Do Pró Tensão


Eu soube do caso de um jovem no Rio que montou uns micros em um barracão na favela onde mora e começou a dar aula gratuita para os vizinhos. Alguém viu e deu a dica, “rapaz, você pode montar uma ONG com esse negócio aí”, “montar o quê?!”, “pesquise na Internet que você vai ver”. O jovem hoje recebe quinhentos mil dólares por ano para tocar o projeto.

Texto completo aqui.

Isso é que é inclusão



O que traz mais resultados: um cibercafé a dois reais por hora, como o que visitei em São Paulo na última quinta-feira, ou um megaprojeto de interconexão da rede oficial de ensino em todo o Brasil? O primeiro existe, funciona, atende à necessidade de acesso de seus usuários. O segundo é mega, mas é apenas projeto. O primeiro custa pouco a seus clientes específicos. O segundo, há tempos, já pesa no bolso do usuário de telefonia, sem resultados práticos.

É claro que pesa no bolso: o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, imposto de um por cento sobre as contas de telefone, e o Funtel, de 0,5%, são "contribuições" humoristicamente citadas nas faturas como "não repassadas às tarifas" - como se a companhia telefônica mantivesse uma máquina de fazer dinheiro para cobrir a diferença.

E mesmo o 1% do Fust só é considerado irrelevante porque praticamente dois quintos do valor da conta já são devorados em tributos. Se o resultado dos tributos genéricos é habitualmente decepcionante, com o Fust não tem sido diferente. O destino da montanha de dinheiro até agora acumulado empacou em intermináveis indefinições palacianas e corre o risco (muito previsível por qualquer "contribuinte" minimamente antenado) de ser redirecionado para fins diferentes do plano original. A tecnologia da informação vive em permanente corrida contra o tempo e os gênios de Brasília se dão ao luxo de manter a obra que mais gera prejuízo - a obra parada.

Se não existisse essa "contribuição" e as operadoras de telefonia pudessem destinar espontaneamente meio por cento de seu faturamento bruto (metade de um Fust) à sua própria fundação pela conectividade nas escolas, o projeto já estaria funcionando a pleno vapor e mostrando resultados de verdade. Mas aí o governo não teria controle, não usaria em favor de sua ideologia e não levaria o crédito.

Tente convencer disso as fábricas de computadores, os fornecedores de software (livre, proprietário, tanto faz), as empresas de telecomunicações, consultores, técnicos, educadores e a imprensa amiga, que não questionarão uma vírgula do Fust. Agirão como urubus em torno da carniça, insensíveis ao fedor do planejamento central

E ainda não vimos nada - literalmente. Quando o Fust for implementado e aparecerem resultados mínimos, começará a pressão pela alta: se uma "contribuição" de 1% faz aquilo, uma de 2% fará o dobro daquilo? E um Fust de 10% decuplicará a abrangência do projeto? Então, que venha, ora! Aí será plenamente dispensável fazer crer que o Fust tenha algo a ver com "inclusão", "cidadania", "social", "democratização" ou outra palavra de efeito. Melhor é admitir, desde já, que o Fust é um imposto como qualquer outro, e só.

*****

Enquanto isso, a loja de acesso à Internet e jogos em rede não tem nada a ver com pretextos para meterem a mão no bolso do "contribuinte" - muito pelo contrário. Está num trecho meio decadente do centro de São Paulo, mas não decepciona. O ambiente, ainda que desarrumado, tem claridade de sobra (em outros cibercafés já fui mandado para autênticas bat-cavernas). As máquinas são preparadas para os fãs de Counter-Strike e são muito melhores do que se esperaria a dois reais por hora. Até os gabinetes fazem bonito em tempos de casemods. Os monitores são de boa qualidade e os mouses são ópticos. Decepcionantes mesmo, só os teclados, velhos e fraquinhos. E no fim das contas, para a alegria dos internautas, a conexão é rapidíssima. Foi uma das grandes felicidades de minha visita mais recente a São Paulo.

Acima e além do preço baixo, o próximo passo certamente será o investimento em atendimento. O gerente, chinês, ainda não sabe falar português direito - uma situação mais ou menos comum no comércio de alta tecnologia e preços baixos na capital paulista. Há tempos os comerciantes de muitas nacionalidades estabelecidos em Ciudad del Este, no Paraguai, já sabem que não há pechincha que compense a falta de confiança do cliente. Brasileiros se sentem mais seguros quando o vendedor é fluente em português. Os comerciantes começaram a admitir balconistas brasileiros. Isto é soberania do consumidor. Os chineses de São Paulo logo chegarão lá.

*****

O usuário é beneficiado pelo cibercafé de dois reais, mas a concorrência não deve estar muito satisfeita. Os totens de acesso à Internet, instalados aqui e ali pela Telefônica paulista, são a versão de demonstração de um (mais outro!) megaprojeto governamental de inclusão popular na Internet: a partir de 2006, as companhias telefônicas (digo, operadoras de telefonia) terão que manter centros de acesso à rede. Na prática, daqui em diante, podemos esperar menos orelhões e mais totens. Os cartões são os mesmos.

E tal como num orelhão, é preciso acessar em pé e sem muita privacidade. O terminal é bom, pois rapidíssimo. É conveniente: basta tirar do bolso um cartão de chamada, inserir na fenda apropriada na máquina e sair navegando por aí. A tela, plana, é um destaque positivo. O teclado é metálico e razoavelmente confortável (de qualquer forma, não é lugar para um brinquedinho genérico). Mas o que mais confunde o usuário comum é a trackball em lugar do mouse. Pelo menos é uma chance para se saber por que as trackballs não deram muito certo no mercado.

O preço: o totem, o emissor do cartão de chamada, o meio de acesso à rede a até o portal da página inicial do dispositivo pertencem ao mesmo grupo, o que não reverte em grande economia para o usuário. Um cartão de 50 créditos (cerca de 5 reais) rende 23 minutos de acesso. Chame o chinês.

domingo, fevereiro 15, 2004

Listas de discussão, do pó ao pó


Continua firme o movimento de trituração da confiança no e-mail como sistema de comunicação. O Yahoo! Groups, praticamente o único serviço grátis de listas de discussão que mantém algum reconhecimento, está vergando ao peso de tantas mensagens fajutas geradas por vírus -- aí incluídas as mensagens de erro que os headers falsíssimos direcionam a perfeitos inocentes. Como resultado, qualquer e-mail legítimo destinado às listas é retido por horas e horas, o que o próprio Yahoo! Groups admite (em inglês). Se é que vai chegar. Telegrama é mais rápido.

De qualquer forma, o poder multiplicador de mensagens não-solicitadas do Yahoo! Groups não poderia passar desapercebido pelos sistemas antispam. Antes de reclamar do serviço da lista de discussão, verifique direitinho se o antispam do seu provedor não tem guardado peixes grandes em sua rede. E já faz tempo que o Myrealbox, serviço grátis de webmail da Novell, rejeita de plano as mensagens do Yahoo! Groups (direito da Novell: o serviço é grátis e é experimental, portanto, não há motivo para queixa).

Não há muitas alternativas. O Yahoo! Groups vem de tempos distantes: surgiu com este nome quando o megaportal absorveu, a bordo da euforia pontocom, os serviços Egroups e Onelist. O Egroups já tinha vida longa como sucessor do Makelist, lá dos tempos em que o Windows 16 bits reinava nos desktops. Só que, no tempo do Makelist, não se ouvia falar de spam nem de vírus de e-mail -- até porque Internet não era usada por muita gente. Por isso, de antemão, não havia nenhum problema em incluir duzentas pessoas de uma vez numa lista de envio e começar a circular mensagens mundo afora. Pelo menos até que a irresponsabilidade dos spammers e as queixas dos usuários começassem a atrapalhar os negócios dos serviços de listas.

Pelo menos se o Egroups começasse a falhar (o que não era raro) sempre havia a possibilidade de migrar a listinha, de uma vez só, sem amolação, para o grande concorrente Onelist, ou vice-versa. Como último recurso, o usuário doméstico podia simplesmente dispensar as listas automáticas: era só abrir o programa de e-mail habitual, adicionar centenas de endereços de sua lista pessoal no campo Cco: da mensagem e clicar em "Enviar". O provedor de e-mail, pressupondo a boa intenção do usuário, deixava passar o envio em massa.

Hoje, tanto os programas populares de mensagens quanto as políticas internas dos provedores dificultam o procedimento. Tudo é considerado spam salvo prova em contrário. Resultados? Se são bons, não são para o usuário comum.

O bombardeio de mensagens não-solicitadas continua rigorosamente incontido. Só que o porte das armas de chateação em massa, tornado ilegal, se tornou exclusivo dos picaretas. Tem menos a ver com disseminação de idéias do que com o seu (estou falando com você mesmo!) endereço incluído ilegalmente em malas diretas absurdamente grandes (esqueçam os camelôs e seus CDs de quaquilhões de endereços: podem impressionar alguns amadores, mas spammer esperto não compra o que pode baixar grátis); com incontáveis computadores transformados sem conhecimento de seus donos, no melhor estilo hacker, em disparadores automáticos de spam; menos com ofertas comerciais legais e legítimas do que com promessas de menos gordura e mais virilidade, crédito fácil, pirâmides da fortuna, programas piratas e... pacotes com outros zilhões de endereços para cada um fazer sua própria mala direta. Nem conhecemos os santos, seus milagres entopem nossas caixas postais além de todo o controle. Quanto mais poderoso o antispam, maior o risco de barrar mensagens legítimas. Os honestos? Que cantem em outra freguesia.

sábado, fevereiro 14, 2004

[humor]

As críticas de desenhos animados do Doutor Vicentinho (3)


He-Man e os Defensores do Universo

Esta também é uma popular lavagem cerebral reacionária que proclama a glória do forte, bonito, poderoso e louro. Um imperialista no sentido estrito do termo, He-Man defende o regime monarquista de seu planeta contra a guerrilha revolucionária liderada pelo sombrio Esqueleto (um símbolo pouco sutil da negritude como valor negativo). Seu melhor amigo só revela seu valor quando se transforma de covarde em valente -- se as crianças continuarem aprendendo essas bobagens, o que vamos explicar para o eleitorado na próxima reforma fiscal? O desenho tem um interessante subtexto anticristão de magia e paganismo, mas vai tudo por água abaixo quando a seqüência final tira do bolso alguma moral burguesa que meninos e meninas não aprenderam nas escolas populares e democráticas.

[/humor]

terça-feira, fevereiro 10, 2004

A caixa de comentários voltou à coluna da direita. Aproveitem!

E, aproveitando o ensejo, todos os posts voltaram a ter links para o e-mail do autor. Este aqui, para quem acabou de chegar.

[humor]

As críticas de desenhos animados do Doutor Vicentinho (2)


Capitão Planeta

Esse tal de Ted Turner roubou minhas idéias ou o quê? Além do elenco multirracial formado no tempo da saudosa União Soviética, é deliciosamente infantocrata: faz acreditar que as crianças não só podem apitar em alguma coisa séria, como podem dar lições de moral em monstros poluidores feios e bobos. Num lance de paganismo que faria o companheiro Leonardo Boff tirar o chapéu, a deusa Gaia, diretamente da mitologia grega, abrange tudo que há neste mundo, faz uns discursos edificantes, mas não tem poderes além daqueles de seus prepostos. Tudo igualzinho às Nações Unidas. O próprio Capitão Planeta não é uma presença muito conveniente por ser forte, bonito, poderoso e ter cara de branco. Mas, com seu cabelo verde, bem que pode passar por um daqueles indivíduos oprimidos por sua sexualidade alternativa, assim que o Ministério da Justiça ordenar as devidas alterações na dublagem.

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Quinze anos de carreira (parte 5)


Na parte anterior, dei umas pinceladas sobre o MSX, meu primeiro computador em casa, e a reserva de mercado. Mergulhei no assunto em duas colunas, primeira e segunda, em minha coluna no site Diego Casagrande. Só não tenho certeza se isso vai dar livro mesmo, apesar de ser uma das histórias mais mal contadas da tecnologia da informação no Brasil.

Em 1993, na época em que troquei o Expert DD Plus, e seu modem lamentável, por um PC mais do que precário, fiquei um tempinho sem modem. Mas já tinha marcado presença na comunidade online e nos encontros de usuários. Mas já tinha um bom motivo para quebrar o gelo nas rodas dos tec-luminares: minha participação na Mad brasileira. Sim, a revista que todo mundo dizia que lera muito na adolescência e que ninguém sabia que ainda existia...

Eu escrevia matérias e mais matérias para a Mad desde dezembro de 1992, quando a primeira de todas foi aceita: entrevistas fajutas, sátiras de novela, Livros do Ódio, Jogos dos Erros e demais atrações que fizeram a fama da revista. Como leitor desde muitos carnavais, trabalhava quase que por instinto. E, paralelamente, ainda fazia o estágio não-remunerado num departamento do Ministério da Aeronáutica, o que me permitia imprimir cópias e mais cópias das matérias para mostrar nos encontros (distribuição via BBS era demoradíssima com o tal modem lamentável e não havia um processador de textos que tivesse aceitação unânime). Nunca tive tratamento VIP, mas consegui alguma notoriedade. No mínimo, ninguém escapava de dar uma risadinha. O mais importante era o feedback, saber o quanto estava acertando ou errando. Assim é que eu conseguia uns trocados para ir aos eventos e fazer upgrades ocasionais, pois a revista Casseta e Planeta (agora tudo junto) descia a ladeira da irrelevância.

Para dar fim à abstinência de BBS, consegui uma boa oportunidade para comprar um modem de 2400 bps, usado, externo, sem fax, sem correção de erros, sem marca. Mesmo assim, era vendido em dólares, como todo equipamento de informática de seu tempo. Descobri, tarde demais, que meu micro era tão depenado que faltava um chip controlador da porta serial. Tive que conseguir uma placa controladora emprestada enquanto durasse meu período com aquele modem -- ou seja, o tempo de juntar mais notas verdes e comprar algo melhor. Ainda bem que não demorou muito. Depois eu conto.

Antispam salva Pobox. Quase.


A onda recente dos vírus de e-mail chamou a atenção dos usuários do Pobox (www.pobox.com) para os novos serviços de filtragem de mensagens à disposição. O Pobox é um dos serviços pagos mais tradicionais da Internet: por 15 dólares por ano, o usuário garante para si um endereço de e-mail permanente. Como resultado, pode trocar de provedor de acesso quantas vezes quiser, sem ter que distribuir aos amigos aquela mensagem do tipo "Pessoal, encerrei a conta anterior! Por favor, atualizem suas listas de endereços". Nada melhor para dispensar provedores incompetentes, sem maiores traumas para o usuário e seus contatos. Parecia muito interessante antes do webmail, dos cibercafés, das contas grátis (...)

Artigo completinho aqui.

[humor]

As críticas de desenhos animados do Doutor Vicentinho


Entre uma e outra reunião para formatar o projeto de lei para varrer da programação infantil da TV brasileira a maligna influência ianque, burguesa, imperialista e caucasóide (como se pode ler aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), arranjei uma forma de reforçar meus escassos rendimentos de deputado: encontrei o controle remoto perdido há meses debaixo do sofá e passeei pelos canais de desenhos em busca de material para críticas. Vamos lá:

Smurfs

É o verdadeiro campeão da injustiça. Numa espetacular manobra diversionista que só pode ter sido arquitetada pelo imperialismo suíno da CIA e do MI-5, um bando de teóricos da conspiração Internet afora não se cansa de argumentar que a aldeia dos Smurfs é um mundinho comunista, que o Papai Smurf barbudo de gorro vermelho representa o próprio Karl Marx e que Gargamel é o burguês de plantão para cortar o barato das criaturas azuizinhas. Tudo errado! Ninguém parece perceber que os Smurfs vivem na mais reacionária ditadura patriarcal gerontocrata com o auxílio luxuoso de uma caricatural Mãe Natureza (contra toda a lógica do processo histórico que resgata a reputação do autêntico paganismo). Amarrados a inexplicáveis laços de família e hipnotizados por musiquinhas alienantes, nenhum Smurf é capaz de levantar um dedo contra esse estado de coisas. Por isso, é hora de dar ao valoroso Gargamel o reconhecimento merecido como símbolo do proletariado: eis o verdadeiro oprimido que em todo episódio busca aplacar sua ira santa contra o absurdo progresso material de seus pequenos (no tamanho) inimigos, mas no fim sempre entra pelo cano, para a felicidade da TV burguesa. A comunidade dos Smurfs não tem diversidade étnica, a mulher é uma minoria sem voz de comando que se afunda cada vez mais na opressão ao usar seu charminho para levar os machos no bico, e o bosque em que todos vivem não dá margem a qualquer discussão sobre a biopirataria neoliberal que devasta o incalculável patrimônio natural dos povos da floresta.

A qualquer momento, novas críticas do Doutor Vicentinho.
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Lendo isto, lembrei-me de...


Proliferam na Rede os subsídios intelectuais que apóiam, ainda que involuntariamente, minha tese sobre a Cidade Sorriso.

o esquerdista não é contra o capitalismo por imaginar que exista coisa melhor. Ele é contra o capitalismo por não querer participar dele. Nas confissões de esquerdistas, seu anticapitalismo é sempre em função de alguma razão pessoal, e não social, muito menos econômica.

Eles não querem se envolver com outras pessoas. Preferem ficar em um lugar determinado pelo Estado, que ninguém lhes possa tirar, nem para cima, nem para baixo.

Isso é muito semelhante com a idéia que se faz de feudalismo, em que um homem nascia nobre e morria nobre, outro nascia plebeu e morria plebeu, outro nascia servo e morria servo... pessoas que dizem Hitler não ser apenas um esquerdista mas um fenômeno mais complexo chamam a atenção para aspectos supostamente reacionários do Nacional-Socialismo de Hitler. De fato, esta mescla de elementos reacionários e revolucionários não é exclusividade de Hitler. Karl Marx também era assim. Marx achava ótimo o feudalismo.

No feudalismo, o direito de associação era limitado e controlado pelo Estado, e cada um tinha seu lugar definido na sociedade - exatamente como nas repúblicas comunistas. As doutrinas socialistas, todas elas, sempre combinaram elementos reacionários e progressistas.

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Agora com sistema de comentários de verdade!


Serviço de comentários provido por comentar.com.br

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Novo template, � claro!

Vírus: onde estão os aproveitadores?


O ilustre usuário está de cabeça quente. Tem recebido um monte de e-mails esquisitos e acha que pode ter sido infectado pelo tal vírus MyDoom. Pelo que leu nos jornais, o usuário aprendeu que o MyDoom se espalha tipicamente através de mensagens com assunto "Hi". (Abre parênteses. O Brasil foi um dos países mais devastados pelo MyDoom. Para um povo que, a exemplo de seu governo, se orgulha de não ser puxa-saco dos malditos ianques, até que uma interjeição inglesa de duas letras fez um belo estrago, hein? Fecha parênteses.) E também soube que o espalhador do MyDoom é um usuário como ele mesmo, que, feliz em seu Kazaa 24 horas, nem percebe que sua máquina contaminada virou um robozinho de redistribuição do vírus.

Isto posto, começa a avalanche colateral de consumidores de tempo e de paciência: os avisos do tipo "Um disallowed attachment type foi encontrado numa mensagem de e-mail que acabou de ser enviada por você. Este scanner de e-mail a interceptou e impediu a mensagem de chegar no seu destino."

Disallowed o quê? O destinatário, orgulhosamente monoglota além do "Hi", não entende, mas sabe que não enviou intencionalmente nenhuma mensagem contaminada. A dúvida o consome: O alerta é sério? Meu micro estará contaminado mesmo? Será que o próprio alerta não é um vírus muito bem disfarçado? Como um Chacrinha de bits e bytes, o alerta veio para confundir, não para explicar.

A mensagem de alerta vem com um endereço verossímil do administrador do provedor XYZ como remetente, apresenta um endereço do provedor ZXY como possível destinatário do seu vírus e reproduz até o cabeçalho da mensagem que você teria enviado. Porém, um exame detalhado revela o logro. Primeiro, o tal cliente do provedor ZXY é desconhecido: ele não entrou na lista de endereços do Windows nem acidentalmente. Segundo, o cabeçalho não reflete a realidade do trajeto de uma mensagem real: é muito resumido e só se baseia nos próprios endereços de origem e de destino.

Mesmo depois de destrinchar o alerta, é quase impossível ao usuário resistir a tentação de visitar os sites XYZ e ZXY para ver se tem algo a ver com eles. Dessa forma, ou XYZ e ZXY aproveitaram a paranóia do MyDoom para bolar um spam bem disfarçado e quase impossível de se escapar, ou os adversários armaram o spam exatamente para corroer a reputação de XYZ e ZXY.

Esse não é um caso isolado. Podemos esperar cada vez mais fajutices com títulos como "Seu e-mail está contaminado", aumentando a tendência do usuário a dispensar de antemão qualquer mensagem do gênero. Afinal, a fronteira entre a verdade e o trote está se dissolvendo. É como se não houvesse mais jeito de se saber qual é o Rolex verdadeiro e qual é o relógio do camelô. É aí que entra a questão do caldo de cultura que alimenta vírus e antivírus.

A Usenet, rede de troca de mensagens públicas muito querida nos tempos da Internet universitária-megacorporativa, tornou-se tão inundada de spam, vírus, pedofilia e arquivos fajutos que virou uma irrelevância. Provedores comerciais têm medo de oferecer acesso à Usenet, com razão. O usuário comum sente tanta falta da Usenet (hein?) quanto do Gopher (do que você está falando?) ou do browser em texto puro (isso existia?).

O e-mail está indo para o brejo pelo mesmo caminho. Para se vender antivírus que protejam e-mail, é preciso que o próprio ambiente do e-mail seja levado minimamente a sério. Quando todas as mensagens sérias trafegarem fora do sistema de e-mail que conhecemos hoje, o que os vírus terão a infectar? E o que os antivírus protegerão?

No entanto, tão antigo na informática quanto o temor dos vírus é a suspeita de que os antivírus têm algo a ver com a criação das pragas virtuais. Epidemias como a do MyDoom sempre animam os comentaristas especializados a tirar do congelador essa espécie de teoria, como ocorreu a dois ilustres colunistas do Globo. Primeiro, em seu blog (requer cadastro grátis), Carlos Alberto Teixeira constrói seu raciocínio de suspeita sobre as empresas antivírus ao afirmar qual é a primeira coisa que fará o usuário que suspeita ter vírus: "Óbvio: providenciar um programa antivírus para ter certeza que está limpo."

Em 3 de fevereiro, na coluna Conexão Global (também requer cadastro grátis), Nelson Vasconcelos faz ironia com a própria tese que esposa, ao tratar da "tecnologia que nunca será suficiente mesmo, considerando-se a eterna evolução de vírus e antivírus. Ou será a ordem inversa? Não, não... seria muita maldade, e a Humanidade está longe de fazer dessas coisas."

Os dois escrevem o que os leitores desejam acreditar. Sabem o quanto o cachimbo entortou a boca do leitor típico. Bem informados, os colunistas sabem o que são "redes nômades", o que, no mínimo, renderia uma boa discussão sobre quem mais se interessaria em sabotar o sistema de comunicação mais livre que existe. Mas o leitor não aceita nenhuma explicação de terrorismo digital que não lance culpa sobre as megacorporações transnacionais capitalistas. Não por acaso, o título da coluna de Vasconcelos é "Um bom negócio", referência aos 2,3 bilhões de dólares do mercado de antivírus no ano passado. É tanta gente usando esses guardiões digitais que o "óbvio" de CAT acaba parecendo óbvio mesmo. Na verdade, não há consenso.

A eficácia dos antivírus é sempre relativa; seu preço, no sentido mais amplo do termo, é absolutamente alto. Se desatualizado, é inútil. Se atualizado, é incapaz de rodar em máquinas antigas. De qualquer forma, rouba precioso poder de processamento da máquina, assegurando que o usuário perca tempo em seu cotidiano -- mas sem garantir que o computador seja uma fortaleza inexpugnável contra os novos vírus que surgem a cada dia. Diante disso, não são poucos os usuários que rejeitam os antivírus completamente (como o colega Alexandre Cruz Almeida na nota "Diga não à hipocondria"). Tendo sido avisados dos riscos, preferem assumi-los como gente grande do que cair no atoleiro da guerra vírus/antivírus ou botar a culpa de sua desgraça na orquestração de um punhado de arquetípicos charuteiros vestidos em ternos Armani.

Isso tudo, pelo menos enquanto existir e-mail. Rezem.

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Máfia Niterói: quem esperava diferente?


"Máfia" deixou de significar qualquer coisa do mundo real. Espichando-se desde o grupo especial dos cinematográficos Dons Corleones até a terceira divisão de energúmenos que desfilam de Mercedes nas ruas de Moscou, o conceito já não passa de um rótulo de desprezo ao tipo de crime organizado que, depois de décadas sendo enaltecido pela mídia, fugiu ao controle e deixou de atender aos interesses políticos da patota. É a transgressão da transgressão.

Por isso, o orgulho da molecada em autodenominar "máfias" as gangues violentíssimas das quais fazem parte, como O Globo revelou neste domingo aos que ainda não sabiam. A reportagem "Gangue virtual, violência real" conta que "em Niterói, formaram-se gangues virtuais que ameaçam outros adolescentes, marcam brigas com rivais e trocam músicas de apologia do tráfico. Além disso, expõem fotos de armas em seus sites." (recomendo a leitura do texto completo; mesmo os não-cadastrados poderão pegá-lo através da Busca, na coluna da esquerda do site).

O caso de Niterói, é claro, não é isolado, mas é um exemplo perfeito. Tendo sido criado em Niterói, eu é que não esperava que fosse diferente. Ninguém é socialista impunemente.

Antes de tudo, dispensem o conceito de "gangue virtual". A tal "Máfia Niterói" é uma quadrilha real que usa a Internet como meio de comunicação. Nada de especial nesse retrato da net-sociedade nacional: também em Niterói, uma das cidades mais "incluídas digitalmente" do Brasil, a classe bandida está muito bem representada na Grande Rede. Bem até demais para os palermas que acham que quadrilheiro do século 21 usaria telégrafo, tambores ou pombo-correio!

Com Internet ou sem ela, niteroiense gosta de fazer tudo entre compadres, mais do que esperaria numa cidade daquele tamanho. Quanto mais do andar de cima, bafejada pela mitológica "qualidade de vida" que põe Niterói entre os melhores municípios brasileiros, menos penetrável é a panelinha. Se for uma daquelas tribos que se ufanam de sua ascendência européia, à beira do racismo, pior ainda. E como numa Brasília al mare, hordas de adolescentes bem de vida acham que podem tudo na vida. Corrigindo: têm certeza. Enquanto papai der cobertura, não há risco nenhum em botar fogo no índio, não é?

Mas há outras semelhanças essenciais entre Niterói e a capital federal, além de um conjunto de edifícios faraônicos da grife Niemeyer (mas não ouse dizer isso na frente de um niteroiense), que poderiam iluminar os palpites dos "adolescentólogos" oficiais. De volta à reportagem do Globo: a psiquiatra Clara Inem, ao analisar a questão da Máfia Niterói, "frisou que a agressividade e a competitividade, a cada dia mais valorizadas na sociedade como fatores de sucesso no mercado de trabalho, são encaradas na adolescência de uma outra forma: como violência e poder."

Faltou à doutora explicar em qual dimensão paralela o etos niteroiense valoriza o tipo de agressividade e competitividade que ela tem em mente. Para que haja mercado de trabalho propriamente dito, é preciso haver um setor privado em quantidade e qualidade acima da completa irrelevância. Sobrou algo parecido em Niterói frente à expansão descontrolada do setor público, abençoada pela mídia e dada como direito de nascença pela elite local? Quem está na ativa e é alguma coisa em Niterói está na folha de pagamento da União, do estado ou do município; no mínimo, pela exclusão da alternativa; no máximo, por um culto ancestral a qualquer coisa que cheire a Estado. Isso daria o que pensar sobre o caldo de cultura em que meninos ricos lambem os pés de traficantes -- se os próprios adolescentólogos não tivessem seus cargos públicos a zelar.

Quando observam a paisagem humana que os cerca, os filhos do andar de cima de Niterói vêem que o caminho da competitividade é estreito e pedregoso. Os bem-sucedidos só pensam em salários atraentes (novamente, por exclusão da alternativa), estabilidade, longas férias, triênios, licenças, aposentadorias integrais. É a diferença entre ser burro e inteligente, ser esperto e otário. Até as crianças percebem logo qual é o verdadeiro establishment no pedaço. Aconteça o que for, o papaizão proverá.

(no próximo post, pois aqui já me estendi demais: as urnas, a síndrome de Estocolmo e a desastrosa niteroização do Brasil)

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