quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Você percebe que o fim está próximo quando...


Essa promoção dos mini-CDs da Coca-Cola, como "troca", é altamente suspeita. Além das tampinhas regulamentares, é preciso entregar 3 reais em "troca" dos CDzinhos. O freguês não pode trocar tampinhas por CDs sem o adicional monetário; também não tem como comprar o CD, ao preço que for, sem provar que consumiu refrigerante suficiente. Se a Coca-Cola pode promover uma megaoperação de venda casada, por que não a megaindústria de bebidas concorrente? O padeiro da esquina? Eu mesmo no Mercado Livre?

Pois eu dispensaria as tampinhas e ainda acharia caro o CD a 3 reais. É verdade que o mini-CD é um padrão tradicional da indústria, tão antigo quanto os próprios disquinhos prateados, e com alguma presença internacional. Mas, se nunca emplacou no Brasil, agora é tarde para uma tentativa desse porte. Antigamente poderia fazer sentido poupar uns centavinhos no que custa menos no produto fonográfico: a própria bolacha plástica. Hoje o mini-CD é pouco mais que uma sovinice industrial que não compensa os problemas práticos crescentes. Pequeno demais, não funciona em CD players de veículos, certos tocadores de mesa antigos e vários drives de computador. O ouvinte típico, que não dá a mínima para instruções de segurança, poderá destruir seu querido aparelho. Pior ainda: na era da Internet rápida, a exumação do conceito do compacto não faz muito sentido.

O público-alvo da promoção não se lembra do compacto (nenhuma relação com o compact disc), o disco de vinil de sete polegadas com uma ou duas músicas gravadas em cada lado. De forma semelhante, o mini-CD da promoção traz cinco ou seis faixas de artistas variados. Como no compacto de vinil, a idéia é oferecer só as faixas que interessam, poupando o ouvinte do custo de um álbum inteiro. Faz sentido? Faria se os gênios do marketing tivessem mandado varrer do mapa da Internet todos os Kazaas e eMules. Como se não fosse difícil o bastante, ainda teriam que apagar das mentes de milhões de usuários qualquer lembrança da existência do Napster "clássico" e de seus incontáveis sucessores e imitadores.

Baixar meia dúzia de faixas (escolhidas pelo usuário, não pela gravadora dos disquinhos) ficou tão rápido e fácil que o usuário se sente um otário em não experimentar as delícias do crime. E, com um gravador de CD disponível em qualquer computador contemporâneo, qualquer criança consegue produzir um CD. De tamanho normal, incapaz de destruir o player do carro. Por isso tudo, a promoção da Coca-Cola é emblemática de uma morte anunciada: para o bem ou para o mal, quem continuar investindo na indústria fonográfica vai entrar pelo cano.

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Mas não é que a idéia do mini-CD tem suas vantagens? Ser bom com espaço de sobra, todos pensam, é facílimo. Todo intelectual quer espaço, espaço, espaço. Se fosse diferente, pelo menos seria bem mais divertido. Tom Zé teria que fazer caber suas obras completas num daqueles mini-CDs. Arnaldo Jabor passaria seu recado nos 15 segundos do Enéas -- uma vez só, sem direito a cadeia nacional obrigatória. Todo o Cidade dos Homens seria exibido num cantinho do tempo de tela de uma ONG. Regina Casé animaria excursões rodoviárias a Ciudad del Este. Joãosinho Trinta gozaria a aposentadoria montando maquetes de escolas de samba com Pinos Mágicos e bonecos Playmobil.

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