domingo, julho 08, 2007

Gringo burro chega ao Brasil, chama-o de Congo, mas está mesmo em Peyton Place

O DVD é mais interessante pela capa, mas não passa disso: dispensem o açucarado filminho de Hollywood, mergulhem de cabeça no livro, telenovelesco do jeito que o povo gosta, cínico do jeito que pouca gente admite entender. O que só confirma a tese da autora.

Peyton Place é aquela cidadezinha do interior típica, onde todo mundo vigia a vida de todo mundo e, por trás das aparências adoráveis, todos -- todos! -- têm seus podres. Para uns, em A Caldeira do Diabo Grace Metalious desenhou um microcosmo da grande hipocrisia nacional da América real. Para outros, trata-se de um roman à clef, uma grande revanche da escritora contra seus vizinhos não-pinguços de lares não-desfeitos. E, somando o insulto à injúria, foi um best-seller mundial. Imaginem se fosse no Brasil.

Busquemos uma síntese. Quem não identificou de cara a principal personagem da Caldeira... pode até pensar que Metalious não passa de uma Manoel Carlos de saias buscando a simpatia do leitor por suas três "Helenas". De fato, Allison, Selena e Constance parecem levar o livro nas costas peitando a caretice vigente. Só que a verdadeira grande protagonista permanecia inabalável como o Cristo do Corcovado: a "comunidade" com seus olhos coletivos que tudo vêem e sabedoria coletiva que a tudo julga. A voz coletiva da aldeia, voz de todos e de ninguém, é a autoridade suprema. E não há nenhuma lei escrita conferindo autoridade a uma massa amorfa -- afinal, "todo mundo" sabe que sempre foi assim, não é?

Quando Grace Metalious descreve a opressão da "comunidade" sobre indivíduos que se fingem de satisfeitos, não conheço melhor demolição dos mitos da caipirice. O espírito interiorano é esse. Não ouse fazer diferente do que “a comunidade” sempre fez. Já que “todos” estão todos tão bem assim, por que mudar? Não ouse nem pensar em fazer diferente. E cuide para que ninguém pense que você pensa em fazer diferente.

O Brasil não se cansa de dar provas de que, no que interessa, é uma Peyton Place que só tem tamanho. A diferença é que as depravações no lugarejo fictício eram mais ou menos dissimuladas. No Impávido Colosso, os cidadãos honestos e éticos é que se arrastam pelos cantos, envergonhados de sua condição.

De resto, o comportamento do brasileiro típico frente à geografia tem o Padrão Jeca de Qualidade: o mundo se resume ao que a vista alcança, o resto é pura mistificação. Por que imaginar que não seja? Aí já seria preciso estudar (trabalhoso) e tirar conclusões com a própria cabeça (se a "comunidade" já pensou por mim, por que contrariar?). Se você já ouviu alguém dizer "lá pra aqueles lados é tudo a mesma coisa" como quem afirma uma verdade óbvia de conhecimento geral, sabe do que estou falando.

Curiosamente, a aldeia global só agravou o culto à jequeira. Com a disseminação da internet, uma legião de Polianas imaginou que -- enfim! -- os brasileiros interconectados poderiam enxergar por cima do muro, encontrando-se com outras gentes e outras culturas. Não assim tão fácil. Em regra, "criptografados" em uma língua que poucos países usam (e orgulhosos de não falar qualquer outra) e escondidos em sites que ninguém pode levar a sério (Orkut, por que não), brasileiros só se comunicam com suas próprias patotas. Nós somos o máximo; os outros, que não conhecemos, só podem ser umas bestas. E vale o que declarei quando da eleição do Cristo: "Como uma legião de Baby Sauros, dão por certo que o mundo inteiro tem que amar o que é 'nosso'/deles."

*****

Além do completíssimo discurso de Rodrigo Constantino, outro ilustre blogueiro resumiu bem duas possibilidades engraçadas a respeito do tal incidente internacional:
1) Algum representante do Congo se manifestar exigindo explicações sobre o porquê da comparação feita pelo gringo ser ofensiva. Quero ver nego sair dessa sem ser politicamente incorreto.

2) O Congo exigir retratação dos EUA por ter se sentido ofendido com a comparação.

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