terça-feira, junho 20, 2006

Oh, céus! Mataram Bussunda

"Você conhece o Bussunda? De verdade? Fala sério!" Estou acostumado: há uns dezoito anos essa pergunta ressurge de vez em quando da parte de algum colega de trabalho, contato internáutico ou parente que não era nascido no tempo do disco de vinil. É a pura verdade.

Claudio Besserman Vianna, que só os absolutamente desavisados não chamavam de Bussunda, era um desconhecido dos telespectadores quando fomos apresentados. Mas já era engraçado como sempre, destaque natural dos shows de Casseta Popular e Planeta Diário (a marca Casseta & Planeta só seria lançada mais tarde). Não por falta de números que deixavam o público roxo de rir, pois tínhamos Hubert cantando "Garota de Ipanema" imitando Paulo Francis e a dupla metaleira-sertaneja de Beto Silva e Marcelo Madureira que os fãs televisivos definitivamente não conheceram.

Por mais equilibrada que fosse a escalação do elenco, Bussunda roubava todas as cenas, balançando a pança como se fosse a criatura mais sexy do mundo ou fazendo paródia de Tim Maia na arquiconhecida (mas até então inédita em disco) "Mãe é mãe". Ocupar seu espaço merecido no horário nobre da Globo foi uma questão de tempo. Bussunda foi o melhor exemplo de humorista que fazia graça como Ronaldinho Gaúcho joga futebol: fazendo o que gostava desde criança, conquistou fama e fortuna. Até hoje a intelligentsia não aturou o desaforo.

Em 1988, entre um show e outro, a atividade mais visível dos "cassetas" era produzir a revista Casseta Popular, à qual devo o início da minha vida profissional. Foi assim, afinal, que conheci Bussunda e toda a turma. Mas o que garantia o grupo era a participação na usina de idéias que alimentava TV Pirata, o programa que hoje é lembrado de forma unânime como divisor de águas do humorismo brasileiro.

Descontando a oposição dos humoristas da velha guarda, que consideravam o TV Pirata uma ação entre amigos da Zona Sul do Rio cujo humor não representava os sentimentos da massa analfabeta, o conjunto das ações da trupe Casseta era torpedeado à esquerda e à direita por denúncias de hipocrisia. De um lado, os "cassetas" produziam uma revista absolutamente anárquica, feita para não agradar a quem se levasse minimamente a sério, mas que se pautava pelo oceano de escândalos do governo Sarney para expor alegoricamente a Grande Suruba Nacional. De outro, trabalhavam para as Organizações Globo, sustentáculo de Sarney, império adesista, símbolo de tudo que a revista denunciava.

Algum espanto nisso? Há tempos e tempos a nata da esquerda cultural brasileira já estava abrigada sob o guarda-chuva da Globo, e Casseta & Planeta (ainda só como banda) não foi exceção, emprestando seus dotes musicais à campanha de Lula em 1989 -- o grupo cometeu um atentado à independência que não repetiria nas eleições seguintes. Não existiu "entrega ao sistema": a Globo é que se dobrou à metralhadora giratória casseteana, não o contrário. Bussunda, como símbolo maior do Casseta & Planeta, só queria fazer o que fazia sempre, e melhor que fosse na Globo do que se continuasse na pindaíba vendendo jornaizinhos engraçadinhos nas filas dos cinemas.

É nessa dimensão que podemos ver uma grandeza de Bussunda que as câmeras do Casseta & Planeta, Urgente!, de 1992 em diante, não revelavam. Um homem que combinava seu talento inato para a comédia com uma simplicidade pessoal surpreendente; um profissional do nonsense com senso de responsabilidade, que amava seu público e oferecia o que o povo gostava (a isso devemos a vida longa do Casseta & Planeta), e que encontrava na dedicação à família e na investigação intelectual uma dimensão maior para sua vida do que simplesmente se dar bem na televisão. Tinha um sentido de missão maior do que fazia crer o estereótipo do carioca praiano-folgado-cervejeiro-mulherófilo-futebolista (emblematicamente, morreu durante a Copa), e que também não combina com outra característica que enlameia a reputação do carioca na vida real: o anarquismo de salão, a tendência a deitar falação julgando a tudo e a todos sem ser julgado por ninguém, a pretensão de representar a lucidez moderadora acima de conceitos ideológicos caquéticos.

Não foi para fazer esse papel que o jovem Bussunda desembarcou do Partidão, ignorou as patrulhas da ortodoxia e seguiu uma longa trajetória até assumir o posto informal de voz da consciência nacional, traduzindo em personagens e imitações tudo que os noticiários servis jamais ousariam dizer. Isso causou um desgaste. Até a hiperinflação de Sarney e o impeachment de Collor pareciam se prestar a boas piadas, contanto que houvesse uma esperança de luz no fim do túnel. E os próprios "cassetas" sempre souberam que Lula, a esperança personificada da "geração Casseta", não escaparia de suas gracinhas. No fundo, previam que o "partido da ética" era puro bafo. Mas a máquina de previsões deu tilt. O que se pode dizer de engraçado de hordas orquestradas impondo toque de recolher na maior cidade da América do Sul, e outras hordas quebrando o Congresso Nacional? Como imaginar Lula de mãos dadas com Sarney elogiando a Ferrovia Norte-Sul, símbolo maior da picaretagem da Nova República -- e ainda despontando como candidato único, fadado a vencer no primeiro turno?

Diante do olhar cômico de Bussunda, a realidade descambou para o punk: não há futuro. O Brasil atravessou o limite da anedota útil. O infarto foi apenas o instrumento. Por trás do eterno sorriso, o desgosto matou Bussunda.

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