terça-feira, novembro 09, 2004

Boa, Pequeno Hans

E' muito divertido o sentimento retro-pirata-chic de elevar 'a condicao de "classicos" Made in Brazil uns clones nao-autorizados de micros internacionais dos anos 80, principalmente quando isso leva colecionadores fissurados 'a defesa de alguma especie de "controle" semelhante 'a reserva de mercado, fato gerador de todos aqueles cacarecos ("nao sou contra a abertura da economia, mas..."), inspirados no tempo em que teriamos tido uma industria de informatica digna de orgulho, o que na verdade diz mais sobre o usuario do que sobre os meritos do computador: em sua mente em formacao, usuario de fraldas se sente num mundo fofinho e coloridinho de fazer inveja ao Hello Kitty World, que fica ainda mais interessante quando os usuarios de micros domesticos cabem numa Kombi (a propria reserva de mercado assegura a raridade) e voce se orgulha de fazer parte dessa patota.

Ate' ai', tudo bem; a gente nao concorda, mas entende. Dai' a um pulinho emergiu a teoria de que o uso de computador esta' cada vez mais chato: ninguem mais quer fazer as coisas, pois ja' esta' tudo pronto e nao ha' mais o impulso de se fazer o maximo com o minimo. Na falta de um programa especifico, programava-se em casa. Na falta de disquetes ou similares, digitava-se longas listagens em tecladinhos que nem sempre eram grandes coisas (zzzzz, ronc, zzzzz). E a computacao grafica...

A virada de 1982 para 1983 foi um divisor de aguas para quem ainda imaginava o computador como uma maquina de engolir e expelir dados: o filme Tron e as primeiras aberturas computadorizadas de Hans Donner na Globo. Fiquem 'a vontade para desconsiderar o filme, que virou atestado de nerdice, o que nao tira a impressao do molecao aqui, aos 11 incompletos, babando com a cenografia virtual, arte ate entao inexistente no mainstream cinematografico. Vamos ficar com Hans, que continua vivo e se mexendo, entao seguidor da mesma linha de Tron: formas geometricas muito basicas, incapazes de negar suas origens matematicas (um excelente exemplo e' o da abertura do Fantastico de 1983; quem lembra?). E pensar que uma vinhetinha de cinco segundos levava uma semana inteira para ser feita, mesmo que a Globo fornecesse todo o equipamento e estagiarios que Hans pedisse.

Depois de todos esses anos acompanhando as aberturas da Globo, aquelas antigas me parecem melhores do que nunca. Obvio. Nos anos 80 Hans Donner praticamente so' podia ser comparado a si mesmo; ninguem fazia trabalho semelhante no Brasil, os similares das TVs do resto do mundo nao chegavam aqui, a experiencia de Tron nao fizera muitos seguidores em Hollywood. Nao me arrisco a dizer quando Hans comecou a ficar ruim. Na mal falada abertura de Renascer, 1993, o estrago ja' estava feito, ele sabia que jamais teria concorrencia de verdade no Brasil, que as aberturas (computadorizadas ou nao) eram especie em extincao e que era melhor ficar conhecido como marido da Globeleza.

Enquanto isso, Hollywood da' seguidas demonstracoes de como transformar sua propria computacao grafica numa commodity cada vez menos impressionante. Veio O Exterminador do Futuro 2 para revolucionar todos os conceitos de computacao grafica no cinema. Depois, Jurassic Park para revolucionar todos os conceitos de computacao etc. Depois, O Maskara para revolucionar todos os conceitos etc. Depois, Toy Story para revolucionar todos etc. Depois, The Matrix para etc. (a lista esta' longe de ser completa, mas voces entenderam). Em cada um deles, um documentariozinho promocional, um diretor falando como se estivesse algumas doses acima da Humanidade, uma sala sombria com dez duzias de computadores pilotados por negros e orientais, rabiscos que viram wireframes que viram imagens finais... O cinefilo notou um padrao.

Nenhum comentário:

Google