segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Isso é que é inclusão



O que traz mais resultados: um cibercafé a dois reais por hora, como o que visitei em São Paulo na última quinta-feira, ou um megaprojeto de interconexão da rede oficial de ensino em todo o Brasil? O primeiro existe, funciona, atende à necessidade de acesso de seus usuários. O segundo é mega, mas é apenas projeto. O primeiro custa pouco a seus clientes específicos. O segundo, há tempos, já pesa no bolso do usuário de telefonia, sem resultados práticos.

É claro que pesa no bolso: o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, imposto de um por cento sobre as contas de telefone, e o Funtel, de 0,5%, são "contribuições" humoristicamente citadas nas faturas como "não repassadas às tarifas" - como se a companhia telefônica mantivesse uma máquina de fazer dinheiro para cobrir a diferença.

E mesmo o 1% do Fust só é considerado irrelevante porque praticamente dois quintos do valor da conta já são devorados em tributos. Se o resultado dos tributos genéricos é habitualmente decepcionante, com o Fust não tem sido diferente. O destino da montanha de dinheiro até agora acumulado empacou em intermináveis indefinições palacianas e corre o risco (muito previsível por qualquer "contribuinte" minimamente antenado) de ser redirecionado para fins diferentes do plano original. A tecnologia da informação vive em permanente corrida contra o tempo e os gênios de Brasília se dão ao luxo de manter a obra que mais gera prejuízo - a obra parada.

Se não existisse essa "contribuição" e as operadoras de telefonia pudessem destinar espontaneamente meio por cento de seu faturamento bruto (metade de um Fust) à sua própria fundação pela conectividade nas escolas, o projeto já estaria funcionando a pleno vapor e mostrando resultados de verdade. Mas aí o governo não teria controle, não usaria em favor de sua ideologia e não levaria o crédito.

Tente convencer disso as fábricas de computadores, os fornecedores de software (livre, proprietário, tanto faz), as empresas de telecomunicações, consultores, técnicos, educadores e a imprensa amiga, que não questionarão uma vírgula do Fust. Agirão como urubus em torno da carniça, insensíveis ao fedor do planejamento central

E ainda não vimos nada - literalmente. Quando o Fust for implementado e aparecerem resultados mínimos, começará a pressão pela alta: se uma "contribuição" de 1% faz aquilo, uma de 2% fará o dobro daquilo? E um Fust de 10% decuplicará a abrangência do projeto? Então, que venha, ora! Aí será plenamente dispensável fazer crer que o Fust tenha algo a ver com "inclusão", "cidadania", "social", "democratização" ou outra palavra de efeito. Melhor é admitir, desde já, que o Fust é um imposto como qualquer outro, e só.

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Enquanto isso, a loja de acesso à Internet e jogos em rede não tem nada a ver com pretextos para meterem a mão no bolso do "contribuinte" - muito pelo contrário. Está num trecho meio decadente do centro de São Paulo, mas não decepciona. O ambiente, ainda que desarrumado, tem claridade de sobra (em outros cibercafés já fui mandado para autênticas bat-cavernas). As máquinas são preparadas para os fãs de Counter-Strike e são muito melhores do que se esperaria a dois reais por hora. Até os gabinetes fazem bonito em tempos de casemods. Os monitores são de boa qualidade e os mouses são ópticos. Decepcionantes mesmo, só os teclados, velhos e fraquinhos. E no fim das contas, para a alegria dos internautas, a conexão é rapidíssima. Foi uma das grandes felicidades de minha visita mais recente a São Paulo.

Acima e além do preço baixo, o próximo passo certamente será o investimento em atendimento. O gerente, chinês, ainda não sabe falar português direito - uma situação mais ou menos comum no comércio de alta tecnologia e preços baixos na capital paulista. Há tempos os comerciantes de muitas nacionalidades estabelecidos em Ciudad del Este, no Paraguai, já sabem que não há pechincha que compense a falta de confiança do cliente. Brasileiros se sentem mais seguros quando o vendedor é fluente em português. Os comerciantes começaram a admitir balconistas brasileiros. Isto é soberania do consumidor. Os chineses de São Paulo logo chegarão lá.

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O usuário é beneficiado pelo cibercafé de dois reais, mas a concorrência não deve estar muito satisfeita. Os totens de acesso à Internet, instalados aqui e ali pela Telefônica paulista, são a versão de demonstração de um (mais outro!) megaprojeto governamental de inclusão popular na Internet: a partir de 2006, as companhias telefônicas (digo, operadoras de telefonia) terão que manter centros de acesso à rede. Na prática, daqui em diante, podemos esperar menos orelhões e mais totens. Os cartões são os mesmos.

E tal como num orelhão, é preciso acessar em pé e sem muita privacidade. O terminal é bom, pois rapidíssimo. É conveniente: basta tirar do bolso um cartão de chamada, inserir na fenda apropriada na máquina e sair navegando por aí. A tela, plana, é um destaque positivo. O teclado é metálico e razoavelmente confortável (de qualquer forma, não é lugar para um brinquedinho genérico). Mas o que mais confunde o usuário comum é a trackball em lugar do mouse. Pelo menos é uma chance para se saber por que as trackballs não deram muito certo no mercado.

O preço: o totem, o emissor do cartão de chamada, o meio de acesso à rede a até o portal da página inicial do dispositivo pertencem ao mesmo grupo, o que não reverte em grande economia para o usuário. Um cartão de 50 créditos (cerca de 5 reais) rende 23 minutos de acesso. Chame o chinês.

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