Cegos, surdos e mudos
Diferentemente do que o Itamaraty imagina dos candidatos ao Instituto Rio Branco, eu ficaria tristíssimo se só soubesse português na minha vida. Receberia docilmente as engabelações dos tradutores de filmes sem qualquer argumento para contestá-las. Leria o que estivesse nos catálogos dos editores brasileiros, uma maçonaria onde esquerdismo é requisito, e não leria o que os desagradasse. Teria chances reduzidas de conversar com outras gentes, de outros povos, de pensamento diferente do unanimismo imperante na Pátria Amada. No mundo dos computadores, em geral, e na Internet, em especial, mal posso imaginar a desgraça. Portais anacrônicos e confusos, nivelados por baixo em seu noticiário apelativo e tendencioso, coligados a sites dolorosamente superficiais e amadorísticos. Isso quando se sabe português. Faz tempo que a língua oficial do Brasil se tornou opcional onde os brasileiros tomam conta: salas de bate-papo, blogs, fotologs e Orkut, não necessariamente nesta ordem. O dialeto do "pow kra blz vlw", ostentado com a soberba dos caipiras chiques, leva às cambalhotas o sofisma do pensador marxista que sempre convenceu meio mundo de que elite "fala bem" e computador é coisa de elite.
Da mesma forma, o "dom das línguas" tem pouco a ver com poder ou riqueza. Em certo período, trabalhei prestando serviços redacionais ao departamento de marketing de uma grande distribuidora de sistemas de informática megacorporativa. Só clientes enormes: bancos, indústrias, redes de lojas. O logiciário vinha dos Estados Unidos, dificilmente em alguma língua diferente do inglês. Mas o material de marketing para vendê-lo tinha que ser escrito em português irretocável, o que demandava um grande trabalho de tradução. A distribuidora conhecia melhor do que ninguém o nível lingüístico de seus clientes e admitia tacitamente que os tomadores de decisão da informática brasileira, responsáveis pela aquisição de sistemas de milhões, não tinham fluência suficiente na língua que toda empresa exige de qualquer candidato a auxiliar de escritório.
2 comentários:
É coisa de doido mesmo esse besteirol do Itamaraty. Mais uma vez o Brasil corre na direção contraria do mundo e de seus próprios interesses, em nome da ideologia e uns e outros.
Delance: esse post foi praticamente um rascunho para o texto completo que saiu neste fim-de-semana no Diego Casagrande. A conferir...
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