sexta-feira, agosto 10, 2007

Discriminação digital?

Historicamente, a esquerda brasileira nunca esteve nem aí para levar computadores a ricos ou pobres, brancos ou negros. Quando a ONG do Betinho perdeu o monopólio da distribuição de internet para brasileiros reles mortais, na mesma hora brotou outra ONG seguindo o mesmo modelo e a mesma inspiração ideológica da Campanha Contra a Fome (aquela que muitos esquerdistas consideravam paliativa e diversionista): o Comitê para Democratização da Informática.

Nos tempos do Diário da Tropa, um boletim por email que publiquei entre 1998 e 2000, nunca os leitores me xingaram tanto quanto nas ocasiões em que me mostrei cético diante do CDI. Mostrei exaustivamente por que um CDI em expansão não conseguiria doações de computadores que bastassem à necessidade. Hoje há muita gente jogando fora, ou quase, micros mais ou menos usáveis (não me venha com 486s ou Pentiumzinhos) porque o dólar está barato em reais e o computador novo está barato em dólares. Com isso, um monte de gente está se "incluindo digitalmente" por conta própria, o que torna relativamente menos necessários os núcleos de informática coletivizada propostos pelo CDI e imitados por governos e governos.

E agora mais essa. Tirei daqui, ó.

Ligo a TV e vejo matéria sobre exclusão digital. O fato de ricos e brancos usarem os centros de acesso gratuito à internet mais do que os pobres e negros é definido como discriminação digital. Como assim, “discriminação digital”? O computador sente o cheiro de pobre? O computador sabe diferenciar a raça do usuário? É claro, “exclusão digital” é uma expressão segura, simples tradução de um fato; era fundamental ir além, era necessário usar uma expressão que explicasse as verdadeiras causas da exclusão. As pessoas excluídas são excluídas porque são discriminadas — e são discriminadas nesses centros porque são pobres e negras. Simples como rasgar uma página do dicionário. Se o espectador não se abalava com “exclusão digital”, ele irá se abalar com “discriminação digital”. Mas não temam, as estatísticas não mentem: se nesses centros os negros são minoria é mister fazer algo por eles. Em breve teremos cotas raciais para acesso à “rede mundial de computadores” (como alguém consegue usar essa expressão diante das câmeras sem cair na risada?). A matéria não falou de cotas, mas tem o kit pronto para quem quiser comprar.

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