Ainda a pirataria
Sou a favor da pirataria. Sou contra a perseguição e a sistemática obsessão em acabar com a pirataria. Ela tem que ser integrada à economia do cinema, não só o brasileiro, mas também o mundial. Você vai me perguntar como, mas não sei responder de cara. É o caso de sentar e pensar a respeito. – Cacá Diegues
Não é surpresa nenhuma que os filhos da “elite branca”, criados e nutridos no culto aos superpoderes da ciência, enxerguem meia dúzia de cacarecos de “tecnologia de ponta” como rolos compressores capazes de atropelar a caretice das leis e dos costumes. É compreensível que adolescentes adeptos do eMule e do BitTorrent acreditem que piratear musiquinhas é uma suprema vingança do proletariado contra os bilionários magnatas da indústria fonográfica. É até possível debater se o usuário tem mesmo o direito de usar uma fatia de seu disco rígido, não submetida por contrato a nenhuma outra parte, do jeito que achar melhor.
Porém, dentre toda a discussão sobre a pirataria, a entrevista de Cacá Diegues publicada no Jornal do Brasil de 25 de junho se destaca por revelar, ainda que de passagem e sem se aprofundar além do citado acima, uma rara opinião heterodoxa vinda do lado de dentro do balcão dos bens culturais. Pena que a posição favorável do ilustre cineasta só sirva para a pirataria das obras dos outros.
Se Diegues se diz a favor da pirataria, não pode se opor à ação do tal adolescente usuário do BitTorrent que, entre um CD de heavy metal e outro, decida baixar uma cópia de Deus é Brasileiro sem pedir autorização nem pagar os direitos devidos. Ou ao sujeito que alugue o DVD de Tieta do Agreste para duplicá-lo no computador de casa. Ou mesmo ao camelô que ofereça discos “legítimos” de Orfeu no Largo da Carioca. Simples questão de lógica.
Suponhamos que o autor, na medida em que é dono de todos os direitos sobre o filme, não está ligando a mínima para o que façam com sua obra. Isso o Grateful Dead já fazia há décadas. A banda era célebre por não se importar que os fãs levassem gravadores e fizessem registros “piratas” de seus shows, estimulando já no tempo das fitas cassete o que a era da internet consagraria como “marketing viral”. Se os próprios autores dão o OK, quem há de falar em pirataria?
Em outro cenário, podemos supor que o realizador abriu mão explicitamente de algumas (ou muitas das, ou todas as) prerrogativas clássicas da propriedade intelectual, começando pelo direito de cobrar royalties sobre as cópias. Essa façanha os adeptos do GPL, Creative Commons e similares já têm feito há tempos e tempos, justamente para a que a disseminação de suas obras se mantenha livre e legal, fora das inevitáveis zonas de sombra do copyright tradicional. Mais uma vez, não há pirataria alguma nisso.
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