Spam atravessa o Viaduto Jacareí
O seu político promete acabar com o spam? Se ele conseguisse uma fórmula para distinguir uma mensagem solicitada de uma não-solicitada, sem chance de falhar, não precisaria viver de subsídios magrinhos em vez dos milhões e milhões que o mercado de informática pagaria pela chave de seus poderes milagrosos. No entanto, em toda parte surgem projetos de lei que prometem dar fim ao lixo dos e-mails, de uma canetada, como se até hoje só tivesse faltado "vontade política" de eliminar o spam. Isso não pode dar certo.
O modelo das pretensões legislativas vem dos Estados Unidos e nem abrange Internet: a lei "Do not call", que institui um cadastro nacional de telefones cujos assinantes não aceitam a praga das ligações de telemarketing. Já começou mais furada de exceções que um queijo suíço. Organizações sem fins lucrativos mantêm o direito de importunar, candidatos podem continuar a fazer sua propaganda por telefone (ou você achava que parlamentares do mundo real teriam aprovado algo diferente?) e qualquer ligação de uma empresa que tenha feito negócios com o usuário do telefone no último ano e meio não é considerada telemarketing não-solicitado. Dentre os telechatos, só escapam da lei os grandes, poderosos e tradicionais. Mais poderosos ainda, agora que foi varrida do mapa a concorrência dos telechatos iniciantes.
Esses "pequenos detalhes" não impediram que a lei "Do not call" fizesse boa carreira em Washington, apoiada por uma frente suprapartidária e inspirando a defesa de inúmeras leis internáuticas contra as mensagens não-solicitadas. A imprensa no Brasil, acostumada ao conforto das unanimidades, foi incapaz de ver algo de errado numa unanimidade que vinha de fora: deixou de lado o ceticismo antiamericano, passou os olhos nas notícias e assinou embaixo.
Pelo visto, nossos jornalões têm sido bem lidos no Viaduto Jacareí, endereço da Câmara Municipal de São Paulo. Em 21 de outubro o vereador Antônio Goulart apresentou um projeto de lei contra o spam limitado à proteção dos "e-mails particulares, de pessoas físicas", deixando à própria sorte as caixas postais de pessoas jurídicas. Os detentores das caixas postais que optarem por não receber spam deverão pedir que os provedores incluam seus endereços num certo Cadastro Especial de Assinantes, o que deverá ser feito "de forma escrita ou por telefone, na forma estabelecida por essas empresas" - talvez até, na velha tradição da Fapesp, através de carta assinada de próprio punho e enviada pelo correio...
E não é só. Quando as caixas postais ficarem livres de pirâmides de dinheiro, próteses penianas e ofertas de cartões de crédito sem juros, aí, sim, terão caminho livre as mensagens autorizadas pela lei, originadas de "órgãos públicos para divulgação de campanhas de interesse público ou promovidas por instituições beneficentes." Quer dizer, as instituções legalmente consideradas beneficentes, mesmo que sejam tão inoportunas em seus e-mails quanto quaisquer outras. De resto, não é acidente que o governo exclua a si mesmo dos castigos que impõe aos outros!
Segundo seu projeto, o vereador Goulart sabe que enfrentamos um bombardeiro de "mensagens enviadas por mala direta, muitas vezes manipuladas por 'robôs'". Certíssimo, especialmente quando sabemos que os robôs que disparam mensagens podem estar hospedados em qualquer lugar do mundo, mesmo que seus operadores estejam muitíssimo longe. É o que fazem todos os spammers que não sejam otários completos. Os spammers "com responsabilidade" com operações sediadas no município de São Paulo se mudarão para qualquer outra cidade (como se a legislação paulistana já não tivesse expulsado muitas empresas de Internet!), mas os spams originados de qualquer outro lugar não poderão ser barrados por uma lei municipal. Há a alternativa de invadir (legalmente) as caixas de mensagens recebidas nos provedores de e-mail paulistanos e aplicar os filtros infalíveis para separar o spam do não-spam, mas é melhor nem dar idéia. Afinal, saiu no Diário Oficial, faz milagres.
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Enquanto o spam passa disparado pelo Viaduto Jacareí, outra parte de São Paulo discute o assunto a sério. Nesta segunda-feira, 24 de novembro, será realizado o seminário Spam 2003, no Centro Brasileiro Britânico. Detalhes: www.spam2003.com.br
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A ESTRELA FINAL - Muito antes do lançamento do iTunes e do novo Napster, o MP3.com já era referência em música online. Teve seus dias de fama e seus problemas com a polícia de direitos autorais (continha cópias de milhares e milhares de CDs, só para quem já tivesse os discos de verdade em casa, mas na prática a teoria era outra). Jamais conseguiu dar uma resposta à mãe de todas as perguntas que afligem os sites de som digital: por que alguém pagaria para baixar arquivos de música quando uma dúzia de programas/serviços oferece tudo de graça? Ao estilo do que a Bertelsmann fez com o Napster (o original), a Vivendi Universal assumiu as operações do MP3.com em seus tempos mais bicudos. Finalmente, o site foi repassado à Cnet só para ser "fechado para obras" no próximo 2 de dezembro. Descanse em paz.
Os assinantes da newsletter do MP3.com souberam da novidade por um aviso absolutamente sem graça distribuída no dia 14, que começa avisando que a Cnet Networks "adquiriu certos ativos" da holding do MP3.com. Depois de todos esses anos, uma nota praticamente fúnebre, com vergonha de passar o recado.
Por essas e outras, foi emblemático o lançamento da estrela de Britney Spears na calçada da fama de Hollywood. Aquela calçada, que sempre me pareceu adoravelmente antiquada, vai acabar se tornando (no que se refere aos astros da música) um fóssil pré-MP3, pré-Napster, pré-iPod. Desnecessário entrar no mérito artístico de Britney: muito provavelmente ela foi a última estrela da era do CD. Do jeito que vão mal as vendas de discos (gravados na fábrica), arranjar estrelas daqui em diante será um milagre maior que acabar com spam por decreto.
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