quinta-feira, outubro 30, 2003

Quinze anos de carreira (parte 3)

Na época em que murchavam as aventuras impressas da Casseta e do Planeta, comprei meu primeiro modem. Era praticamente o único modelo que funcionava no meu modelo de MSX e podia ser adquirido em loja. Comecei a acessar precariamente: o modem era tão lento que era barrado nos dois BBSs mais influentes. Não estavam errados, pois o modem "paraguaio" mais vagabundo para PC era oito vezes mais rápido que o meu; usuário de MSX passava tempo demais conectado, impedindo que outros acessassem, e pouco contribuía à comunidade. Mas havia dezenas de BBSs, quase todos amadores, que agüentavam a barra. Eu acessava uns nove ou dez alternadamente, mas só era usuário freqüente de três BBSs, no máximo.

Eu aproveitava um subconjunto das atrações do BBS: as salas de bate-papo, ocasionalmente (nada de muito impressionante: se fosse um BBS enorme, entravam cinco ou seis pessoas de cada vez, se tanto), e a troca de mensagens, sempre. O resto funcionava mal (jogos online, em interface de caracteres mesmo) ou não funcionava (acervo de programas, que todo BBS fornecia, mas poucos títulos rodavam em MSX). Foi aí que começou a cair a ficha da diferença entre padrão de mercado e otimismo otário: o retorno do meu investimento de informática seria tanto maior quanto mais gente usasse sistemas compatíveis com o meu. É a famosa lei de Metcalfe, inescapável, ignorada no Brasil em favor da fé no planejamento central e do orgulho de ser do contra. O uso de BBS foi determinante para que, em questão de meses, eu dispensasse o MSX em troca de um PC.

O sistema BBSiano de mensagens era melhor que o da Usenet ou das listas de discussão, onde todas as mensagens são públicas, ou do e-mail comum, onde todas são privadas: salvo indicação contrária, uma mensagem de Fulano para Sicrano poderia ser lida por todos que acessassem aquele board temático. Parece pouco, mas todo mundo podia meter o bedelho em qualquer discussão. Isso criava um sentido de comunidade fortíssimo, sem comparação no mundo dos contatinhos fugazes da Internet. Os BBSs, grandes e pequenos, se associavam em redes e trocavam mensagens entre si. Desse modo, qualquer mensagem podia ser ecoada no Brasil e (raramente) no exterior. Era um bocado de poder para um conglomerado de sistemas que a companhia telefônica fingia que não existia, sem visibilidade popular (o trabalho "evangélico" do Informática Etc. era das poucas exceções) e sem apoio do comércio não-muambeiro.

Mais divertidos ainda eram os encontros de usuários. Em meus primeiros dias de BBSiano, em 1992, quase todos eram realizados em bares ou restaurante entre Leme e Leblon, a região onde quase todos moravam. Só um pouco mais tarde é que ganharam força os encontros na Zona Norte e - pasmem! - em Niterói. Além dos encontros mensais regulares, inventava-se encontro por qualquer motivo, como se os eventos sociais fossem um lembrete permanente de como é fútil a vida online sem um pé no mundo real. Esse equilíbrio acabou abrindo novos caminhos para minha carreira... o que explicarei no próximo capítulo.

O artigo abaixo foi publicado aqui. Confiram.

Napster: percam as esperanças



Neste 28 de outubro o novo Napster entrou no ar. Do antigo, nada resta além do nome. Na primeira versão, o programa/serviço apresentou aos internautas as maravilhas do troca-troca irrestrito de arquivos de música, para horror dos detentores dos direitos autorais. Pois a nova encarnação do Napster segue o caminho aberto pelo iTunes e vende faixas de áudio. Até com direito a cartão pré-pago para que o internauta possa comprar seus álbuns feitos de bits sem mexer com cartões de crédito. Eis o tamanho do milagre que o novo Napster espera: por que a meninada abriria a carteira para conseguir músicas que as redes de pirataria fornecem a custo zero?

Se hoje é tão fácil conseguir qualquer arquivo na Internet, talvez o Napster (o velho) seja menos culpado do que faz crer a aura lendária que se criou em torno da marca. No dia em que saiu do ar, e já faz quase três anos, o maior patrimônio do Napster era a fidelidade dos internautas. Como eram os próprios usuários que forneciam as músicas (rede peer-to-peer é isso), o valor do acervo do Napster era bem maior que o dos sistemas concorrentes. Mas já estava tecnicamente obsoleto: só funcionava em Windows, só permitia baixar arquivos MP3 (programadores espertos criaram truques para vencer essa limitação, mas sem grande popularidade), não reiniciava transferências interrompidas e não permitia que um arquivo fosse baixado de várias fontes ao mesmo tempo.

O sucesso do Napster atraiu dúzias de imitadores e três ou quatro competidores sérios. Nenhum superava o Audiogalaxy Satellite, que buscava não só o que estivesse na rede naquele momento, como tudo que já tivesse sido distribuído por seus usuários algum dia. Bastava ao caçador de MP3 selecionar centenas e centenas de músicas e deixar rodando dia e noite o pequeno programa Satellite: quando algum outro usuário entrasse no sistema com um arquivo daqueles, o download começava imediatamente. Como o Napster, tinha a desvantagem de só servir para intercâmbio de músicas. A rede Gnutella, que ainda existe, libera qualquer tipo de arquivo e não depende de um servidor central de banco de dados (na prática, a Gnutella não pode ser "desplugada" como foi a rede do Napster). Já teve melhores dias, mas sofreu com programas-clientes que espantavam a freguesia. Resultado: atualmente a rede FastTrack, muito semelhante à Gnutella, reina absoluta, a bordo do sucesso do competente Kazaa - e, para quem sabe das coisas, de sua versão "paralela", Kazaa Lite. Nem a rede tecnicamente mais privilegiada, a eDonkey2000, chega perto... por enquanto.

Todas essas redes foram, ou continuam sendo, bombardeadas pelas associações de defesa dos direitos autorais, RIAA à frente, e por iniciativas de artistas individuais (não necessariamente os campeões da parada de sucessos). A batalha judicial do Napster foi interminável, mas os confiantes usuários não se abalaram. Quanto mais crescia o dramalhão maniqueísta da empresa que surgiu do nada e incomodou os tubarões multinacionais da indústria fonográfica, mais a fauna de militantes marxistas, ciber-hack-ativistas, intelectuais da tecnologia de ponta, juristas espertos, esquisitos da Califórnia e puxa-sacos de moleques vestia a máscara de advogados de quaquilhões de internautas. Teria feito algum sentido se o Napster fosse mesmo a redenção dos oprimidos contra os gigantes da música. Não era.

O Napster original era um exemplo perfeito da febre especulativa da bolha pontocom, quando oitenta mil empresas iniciantes ofereciam ao usuário quase tudo por quase nada, de olho na fonte inesgotável de dinheiro dos investidores. Naquele tempo era considerado louvável que uma loja virtual vendesse por 9,99 dólares a fita de vídeo que custava 15 dólares no atacado (Titanic estava em alta e pouca gente usava DVDs) - o dumping fez tanto barulho que a tal loja foi comprada por uma concorrente por um caminhão de dinheiro, cobrindo com folga a perda de 5,01 dólares por unidade e ainda recheando as contas bancárias dos autores da idéia. É claro que a festa da grana fácil não poderia durar para sempre.

Só que o Napster era ainda mais radical: nunca pretendeu vender nada, nem por preço simbólico, que não fossem suas próprias ações e debêntures. Em fins de 2000 cumpriu sua razão suprema de existir no mundo dos negócios quando foi comprado pelo conglomerado Bertelsmann e logo fechado "para obras". Abriu-se uma avenida de oportunidade aos concorrentes, que transformaram as façanhas do velho Napster em fichinha. Hoje, com as bênçãos de conexões rapidíssimas a baixo custo, os internautas ignoram solenemente as ameaças da RIAA, pirateiam CDs inteiros com a facilidade com que antigamente só conseguiam catar faixas individuais e transferem mundo afora duplicatas de DVDs com a mesma qualidade dos originais. E o novo Napster, vendedor de músicas, é relançado pela Roxio, a importante produtora de software para gravação de CDs em casa. Alguém deve ter se surpreendido.

Crítica de cibercafés (1)


O que esperar quando você está longe do trabalho e precisa acessar a Internet? Na caixinha de surpresas dos cibercafés, só não conte com um mouse limpo. O padrão é nem conseguir controlar minimamente o cursor na tela sem antes abrir o fundo do mouse (vá em frente, isso é perfeitamente possível!) e raspar a sujeira que se acumula há eras nos roletes internos. Não é só um problema de falta de manutenção. Os mouse pads padrões não absorvem a umidade: transferem-na toda, junto com a poeira, para a esfera emborrachada, o que causa grande parte dos "defeitos" do mouse. Isso tudo vale para os cibercafés que não sejam dotados de caros (portanto, raros) mouses ópticos; fora esses, se achar um mouse limpo num micro de aluguel, pode mandar rezar uma missa de Ação de Graças. Por isso, em minhas andanças (anônimas, pagando as contas integralmente) por cibercafés, já desisti de registrar esse tipo de problema.

High Score - Shopping Bay Market, Centro, Niterói, RJ. Por 4 reais a hora o usuário recebe um computador com Windows XP, bem rápido, ainda que não livre de alguns "soluços" exasperantes. A administração remota mantém a instalação razoavelmente livre de programas estranhos, mas é tão rigorosa que não permite nem imprimir uma pagininha sem a intervenção do funcionário. Funciona mais como lan house do que como ponto de acesso à Internet, o que explica o bom monitor de 17 polegadas em ótima posição para os olhos. Se for de seu gosto, vá fundo; difícil é controlar os gritos da garotada (dos males, o menor: a lei draconiana do Rio, capital, contra as lan houses ainda não foi imitada por Niterói). A posição do gabinete, lá no alto, em combinação com a iluminação reduzida, dão uma impressão claustrofóbica, mas as mesas são suficientemente amplas.

quarta-feira, outubro 29, 2003

A entrevista ao Comunique-se


Sim, agora eu é que acabei sendo entrevistado. :-) O original está aqui, mas só para cadastrados.


Do offline para o online (e vice-versa)

Mario Lima Cavalcanti

Em uma conversa por ICQ, pedi ao jornalista Paulo C. Barreto, grande veterano da Internet no Brasil, que sugerisse um tema para minha coluna no qual fosse interessante tanto para os jornalistas que já estão no mercado quanto para os que ainda estão aprendendo o be-a-bá.

Há mais de 10 anos no mercado editorial de informática, colunista do site do jornalista Diego Casagrande e colaborador regular da redação da revista Info, Paulo C. Barreto sugeriu um artigo que abordasse como a experiência offline pode ser aplicada online. Então perguntei: por que você mesmo não conta isso? Em entrevista por email e por ICQ, PC Barreto contou um pouco das suas experiências no offline e no online e aponta algumas tendências para a área de jornalismo digital. Acompanhem abaixo:

Comunique-se - Você está há mais de 10 anos no mercado editorial de informática. Como se deu seu ingresso no cenário de jornalismo online?

PC - Meu primeiro artigo para O Globo, de 1994, saiu primeiro online no Centroin BBS, ainda na era pré-Internet. O universo dos BBSs ainda era muito restrito e praticamente todos se conheciam, ou de encontros de usuários, ou pela presença regular nos fóruns. Foi assim que fui "descoberto" pela Editoria de Informática do Globo. A partir daí, descontando os artigos que fiz para mídia impressa que acabaram sendo republicados em sites, meu primeiro trabalho jornalístico 100% online começou em 1998, na revista eletrônica Aqui!, um conceito brilhante de Fernando Villela que foi levado adiante com competência e profissionalismo dentro do Cadê?. Lá eu fazia uma coluna semanal com dicas de shareware e freeware, e também uns tutoriais e FAQs sobre vários assuntos técnicos em evidência.
 
Comunique-se - Você tem uma boa experiência em offline. A maior parte da sua carreira foi no impresso? Enfim, como você acha que essa experiência offline pode ser aplicada online?

PC - Em  termos de tempo de carreira, é equilibrado. O offline é a base de tudo. Comecei ainda no tempo da máquina de escrever; quer mais analógico do que isso? :-) Não há nada como ler impresso, sem monitores cansativos, sem baixas resoluções, de um modo que se preste mais a leituras aprofundadas. Isso exige mais de quem escreve. Na tela, parece que todos fazemos uma espécie de leitura dinâmica. Por isso os autores online acabam se safando de tantos descuidos ortográficos, gramaticais, factuais e lógicos. Pensam assim: para que caprichar em algo que daqui a algumas horas poderá estar obsoleto? Em Internet tudo é realmente muito rápido e objetivo (se não captar a mensagem em menos de cinco linhas, o leitor se cansa e vai ver outro site), e é natural que o autor precise se adaptar a um público heterogêneo e sem fronteiras. Mas se devemos escolher um aspecto do offline que faz falta online, é o equilíbrio entre um controle de qualidade mais apurado dentro da redação e um nível de exigência mais alto por parte do leitor.
 
Comunique-se - Como você analisa essa crescente bola de neve que é o universo blog?
 
PC - Quase tudo já foi dito sobre os aspectos positivos dos blogs como ferramenta para disseminação democrática de informação. Nem preciso acrescentar muito. O problema é que sobram louvores à febre blogueira e faltam as necessárias críticas negativas, ou, no mínimo, um sopro de desconfiança sobre algo com que, aparentemente, todo mundo concorda. Blogs não são novos, mas atingiram o status de fenômeno com o estouro da bolha pontocom. As empresas de Internet desinvestiram brutalmente em conteúdo próprio de qualidade, ao mesmo tempo em que investiram em esquemas nos quais o próprio internauta alimenta as atrações: salas de bate-papo, hospedagem de sites pessoais, fóruns de discussão e - por que não? - blogs. A empresa operadora do blog deixa a máquina rodando com manutenção mínima, os blogueiros suam a camisa por audiência como quaisquer donos de sites (nada mais natural; sem audiência, o conceito mesmo de informação democratizada não faria sentido) e a operadora vende espaço para banners. E o garoto que escreve "pow ae kra blz" em blog feito para os amigos ainda acha que sai no lucro. Acima de tudo, não podemos nos deixar levar tão facilmente por argumentos que confrontem o ambiente anáquico da blogosfera ao "monopólio da informação". 95 por cento do conteúdo dos blogs é plenamente descartável; o resto, se é que incomoda de verdade, só merece desdém do establishment midiático: "ora, não passa de meia dúzia de fracassados que só consegue espaço para escrever em blogs mesmo".
 
Comunique-se - O formato weblog tem se mostrando bem eficiente em termos de veículo noticioso e posso até arriscar em dizer que os blogs representam para muitos a primeira experiência em termos de jornalismo online. Baseado nisso, você acredita no processo inverso, ou seja, que o exercício de blogar pode contribuir, em termos de redação, para aqueles que só têm experiência no online e vão trabalhar no offline?
 
PC - Certamente o formato blog tem vantagens que podem ser bem apreciadas offline. Quem escreve na Internet não pode desperdiçar espaço: o recado tem que ser passado em poucas palavras. Pretensões literárias devem ficar em segundo plano: espaço impresso, ou tempo de rádio e TV, custam uma nota preta. Além disso, o blogueiro sabe que está numa comunidade, que há dezenas ou centenas de blogs parecidos com o dele, seja no conteúdo, seja na aparência. Diferenciar-se do rebanho é o jogo da sobrevivência. No offline, quem vai começar a fazer isso a sério? Quem leu um grande jornal, leu todos; os mesmos que acusam a imprensa brasileira de venal, superficial e tendenciosa não têm a menor vergonha de embarcar na unanimidade mais óbvia.
 
Comunique-se - Em sua opinião, quais são as tendências para os próximos anos no cenário de jornalismo digital?
 
PC - O formato blog parece ter vindo para ficar. Acostumem-se. Ainda não é comum encontrarmos blogueiros profissionais, mas essa também é uma tendência inevitável na medida em que o oceano de blogs chinfrins avançar sobre a credibilidade do meio. Mas será uma transição de muita tensão entre "jornalistas" e "blogueiros", seja lá qual for a distinção exata. As conexões rápidas permitirão um reforço nas imagens, um item ainda em segundíssimo plano nos noticiários online -- a tradição da Internet é focada em texto, desde o tempo das letrinhas verdes sobre fundo preto. A própria blogosfera já se adiantou: cada vez mais os fotologs dividem espaço com os blogs tradicionais. Outra tendência benéfica para o jornalismo digital: a política de portais está com os dias contados. Esse resquício da febre especulativa da "Nova Economia" já vai tarde. Quem tem saudades? Site bom anda com as próprias pernas; se depende do portal, pelo um dos dois faz mau negócio.
 
Comunique-se - Algumas pessoas apostam em cross content como um caminho natural no jornalismo digital. Você concorda?

PC - O caminho certamente é esse. A versatilidade é benéfica tanto para o veículo quanto para o profissional.


quinta-feira, outubro 23, 2003

Da Anatel aos disquetes

Em sua luta contra o monopólio das telecomunicações, a Anatel tomou para si o monopólio do bom senso. Exemplos não faltam. Espero que os usuários de telefones celulares se lembrem dos contratos vantajosos que as operadoras ofereciam com estardalhaço. Passe um pente fino e busque as cláusulas que os gênios de Brasília não rasgaram.

A adoção, na marra, dos códigos de operadora nas chamadas interurbanas via celular, tal como já ocorria na telefonia fixa, deve até ter feito a satisfação de alguém fora da muralha burocrática da Anatel. Liberdade de escolha, dizem. Nem uma palavra sobre os usuários que já tinham celebrado contratos de tarifa fixa na área de cobertura de sua operadora. Lembra do plano que permitia fazer ligações em todo o território do estado a preço de chamada local? Da noite para o dia essas cláusulas foram revogadas: até para cidades vizinhas as ligações passaram a ser consideradas interurbanas - e cobradas como tais.

O usuário reclama com a operadora. A operadora nada pode fazer, pois só cumpre, no varejo, as ordens da Anatel (um cipoal de resoluções pelas quais a Anatel legisla sem Legislativo) e, no atacado, um conjunto de metas arbitrárias e mirabolantes. Deve ser por isso que os seguidores de Stálin estão todos em Brasília, perto da Anatel, em torno da Anatel e - por que não? - dentro da Anatel.

*****

A Dell, ainda que tardia, seguiu o exemplo da Apple e jogou a toalha: desistiu de incluir drives de disquete em seus computadores. E as pequenas montadoras, quando perceberão o óbvio? Exceto para manter compatibilidade com equipamentos antigos, floppies no século 21 já não fazem o menor sentido. Usuário típico, que acabou de tirar o micro da caixa, não foi do tempo dos equipamentos antigos: já está acostumado com CD-Rs (e, cada vez mais, DVD-Rs) baratinhos e gravadores onipresentes. Em todo caso, redes existem para jogar arquivos de um lado para o outro. E para levar arquivos no bolso, não inventaram nada melhor que a memory key. Se não for o seu caso, provavelmente você se lembra de tempos bem mais bicudos.

Em 1994 escrevi para O Globo um artigo sobre o WinCat, um programa shareware. Para efeitos de comparação, citei o preço do registro do programa como equivalente ao de uma caixa de discos flexíveis (dez unidades de 3,5 polegadas e alta densidade, o mesmo padrão de hoje) de ótima qualidade: uns 15 dólares. De tão caros, ou o usuário racionava os disquetes, ou relaxava no controle de qualidade em busca de melhores preços. Assim perderam-se muitos dados preciosos. De qualquer forma, disquetes nunca foram muito confiáveis mesmo, apesar de já terem sido tratados com mais respeito pela indústria. As caixinhas de papelão eram maiores, pois os disquetes eram embalados em envelopes plásticos individuais. A prática foi abortada "a bem da ecologia", mas o consumidor conhece de longe o cheiro da sovinice.

O que impressiona é notar que já existiram inúmeros formatos de disquetes. Todos foram varridos do mapa, os Zip Disks (que um dia já foram mais vantajosos que CDs) vão acabar seguindo o mesmo caminho, e os concorrentes diretos do Zip Disk praticamente não deixaram vestígios. Para a decadência de todos, o mesmo motivo: não são baratos, nem práticos, nem rápidos, nem resistentes, muito menos espaçosos. Os floppies resistem com veículo de vírus, mídia de compatibilidade confortavelmente garantida e sopro de vida a computadores em avançada decadência.

O quê? Decadência? Já posso prever que o ilustre usuário vá pedir menos arrogância e mais respeito a seu 486 velho de guerra (há máquinas ainda mais antigas, mas não vamos nos estender muito). Aceito a crítica, desde que o queixoso revele quanto pagou pelo 486 no tempo que aquele era um computador zero-quilômetro e conte quantas pessoas tinham computador naquela época. Aí, sim, poderemos falar em "exclusão" sem cair em frases feitas. Mas esse é um assunto para outra coluna.

sexta-feira, outubro 17, 2003

Já nas bancas!

Guia de Carreira em TI


Mais um especial da INFO... com a minha participação. Confiram já (o site só tem a lista de atrações; conteúdo mesmo, só no papel)

quinta-feira, outubro 16, 2003

Se é Bayes, é bom?



A nova onda do antispam são os filtros bayesianos. Os spammers sorriem de orelha a orelha; os usuários estão mal servidos.

Depois de tentativas bem-intencionadas (mas associadas a serviços pagos, o que é anátema para 99% dos usuários domésticos), tendo à frente o SpamNet, é a vez dos concorrentes grátis, como o SpamBayes. Tanto um como outro analisam as mensagens que entram e as confrontam com uma série de critérios que definem o que é e o que não é spam.

O que for considerado definitivamente spam vai para a pasta "Junk E-Mail"; se o programa tiver dúvidas, a mensagem é filtrada para a pasta "Junk Suspects". Então o usuário humano pode passar o pente fino e identificar sozinho os falsos negativos e os falsos positivos. Nesse processo, o SpamBayes vai ficando cada vez mais sábio, o que aumenta a precisão ds filtragem.

Perfeito? Na prática, a teoria é outra. Antes de mais nada, o SpamBayes não tem como impedir que as mensagens indesejadas sejam downloadeadas. Aquele anexo gigante, totalmente não-solicitado, será inteiramente baixado antes que o filtro entre em ação. As companhias telefônicas devem sorrir de orelha a orelha. Segundo, a seguir a configuração padrão, mesmo as piores mensagens são efetivamente armazenadas em pastas acessíveis, e quaisquer vírus ou cavalos de Tróia contidos nessas mensagens poderão ser acionados por descuido. Terceiro, o SpamBayes não garante qualquer meio de evitar comportamento reincidente dos spammers -- quem envia o spam não recebe nenhum sinal de que sua mensagem foi barrada no meio do caminho.

No fim, a leitura da caixa de entrada pode até ficar mais limpa e objetiva; no segundo plano, o spam continuará entrando, consumindo largura de banda e expondo o usuário a certos tipos de "acidente". E o usuário jamais ficará totalmente livre da brincadeirinha de identificar os amigos que são inimigos e os inimigos que são amigos. Mas sem conseguir barrar nenhum indesejável.

Ainda sou mais o MailWasher, que não depende de nenhum programa de e-mail em particular faz a seleção devida com as mensagens ainda no servidor. Pena que, na versão atual, só os pagantes consigam filtrar mensagens de mais de uma conta.

Quinze anos de carreira (parte 2)

O período como colaborador da Casseta e do Planeta durou aproximadamente enquanto os dois grupos se mantiveram relativamente separados e interessados em suas publicações. Sempre mantiveram relações cordiais, fizeram shows juntos desde mil novecentos e antigamente, gravaram disco juntos, escreviam para televisão juntos desde 1988; fizeram Doris para Maiores em 1991; viraram astros de seu próprio programa em 1992. A fusão definitiva era questão de tempo. Casseta e Planeta, as publicações, foram para o brejo, reuniram-se numa revista única onde botaram água no feijão do projeto original; ainda assim, durou até 1994 ou 1995, quando as crianças já imaginavam que os "cassetas" eram invenção recente da Globo. Àquela altura eu já estava longe.

Em fins de 1992 comecei a escrever para a Mad brasileira, ironicamente (que nada tem a ver com O Lado Irônico do Dave Berg) numa fase em que eu nem estava lendo a revista. Mas já fazia tempo que eu sabia tocar de ouvido todas aquelas sátiras de cinema e TV, Livros do Ódio, Respostas Cretinas, entrevistas, jogos dos erros, invenções malucas e o que mais aparecesse. Foi uma colaboração praticamente contínua até fins de 1996, na companhia de grandes craques do texto e da arte. (continua...)

quarta-feira, outubro 15, 2003

Um guru contra o progresso

Um guru contra o progresso

Por Paulo C. Barreto - 14/10/2003

Nicholas Negroponte diz que computadores deveriam ser mais baratos. Em busca de culpados, demitiu a lógica.

Negroponte, guru da alta tecnologia, em entrevista à revista Istoé Dinheiro, acusa a Intel e a Microsoft de manter os preços dos computadores artificialmente elevados, nestes termos:

A cada ano, a Intel aumenta a capacidade de processamento do computador e a Microsoft faz um software ainda mais complicado. A todo momento eles anunciam aperfeiçoamentos e características novas e, claro, mais caras. Isso acontece porque a indústria não quer encarar o seu produto como uma mercadoria de baixo preço. Em 1985, o meu Macintosh 512, da Apple, satisfazia boa parte das minhas necessidades. Hoje esse mesmo equipamento deveria custar menos de US$ 10. Então, a pergunta que se faz é: por que os computadores são tão caros hoje em dia? Nós precisamos parar com esse movimento o mais rápido possível. E um dia nós vamos conseguir.

Mesmo considerando que o Macintosh não usa processador Intel nem sistema operacional Microsoft, o exemplo serve perfeitamente -- para derrubar a teoria do próprio Negroponte. Nada mais natural que um Mac 512 saia hoje por menos de 10 dólares (em termos de mercado dos EUA; entre os brasileiros, que dependiam dos contrabandistas, essa máquina era muito rara), quando na época do lançamento custava 3.300 dólares, fora os impostos. Com direito a 512K de RAM, um único drive de disquete de face simples e o monitor preto-e-branco de nove polegadas que os colecionadores elevaram à categoria de "clássico".

Se Negroponte tivesse guardado os 3.300 dólares debaixo do colchão, mesmo sem considerar a alta do custo de vida e o quanto o dinheiro teria rendido na mais conservadora das aplicações, ainda hoje o guru do MIT poderia fazer uma bela farra nas lojas de computadores. O PowerBook G4, topo da linha de notebooks da Apple, sai por 3 mil dólares na loja virtual de fábrica, sendo que desta vez temos um micro totalmente portátil, com direito a visor de cristal líquido de 17 polegadas, mil vezes mais RAM que o Mac 512, disco rígido de 80GB, gravador de DVD, USB, FireWire, Gigabit Ethernet, Bluetooth, 802.11g e outros "aperfeiçoamentos e características novas" em que Negroponte tascou a pecha de "mais caras" (desnecessário entrar nos detalhes do pacote de software que acompanha o PowerBook G4; consultem www.apple.com).

É dinheiro demais por um computador? A mesma loja está recheada de opções mais baratas, provavelmente de custo/benefício superior. Certo, mesmo, é que naqueles tempos Negroponte investiu bem ao trocar seus dólares por um computador capaz de se pagar várias vezes -- um aspecto do valor da informática que as análises ideologicamente enviesadas fingem que não vêem -- mesmo que, antes disso, tivesse se consumido em interrogações diante das vitrines: "por que os computadores são tão caros hoje em dia?" (Boa pergunta. E no tempo do cartão perfurado eram mais baratos?).

Há um único motivo para o Mac 512 hoje não custar nem 10 dólares: desde os anos 80 a Apple lançou dúzias e dúzias de novos Macs cada vez mais poderosos. O que ocorre com os computadores da Apple se repete, no mínimo, com o mesmo ímpeto no mundo dos PCs -- e estes ainda são mais baratos que Macs comparáveis. A perda de valor de computadores antigos desafia qualquer cálculo de depreciação, para a felicidade dos caçadores de pechinchas. Mesmo que não seja economicamente viável ao usuário típico comprar o topo de linha, a mera existência de um produto mais avançado puxa inexoravelmente para baixo os preços dos modelos anteriores. Todos saem beneficiados: uns consumidores conseguem máquinas mais poderosas, outros atingem acesso a máquinas mais baratas. Mas acredite: no fundo, no fundo,"parar com esse movimento o mais rápido possível" deve trazer ao usuário algum benefício que Negroponte não ousa revelar...

Não apenas os computadores não ficam mais caros ao longo do tempo (muito pelo contrário) e as máquinas Intel/Microsoft não são menos acessíveis do que as da concorrência, como as próprias Intel e Microsoft têm competidores tidos e havidos como mais baratos e seguros. A Microsoft tomou conta de quase todo o mercado de sistemas operacionais para PCs. Como resultado de seu sucesso, atraiu concorrência. No início dos anos 90 o OS/2 estava muito bem posicionado para enfrentar a dupla DOS/Windows: era riquíssimo em recursos, oferecia estabilidade e funcionalidade e era um produto IBM. Como exigia grandes quantidades de memória RAM (um componente que passava por uma fase de escassez e preços altos), ficou para trás.

Mas por essa época começou a crescer sem parar uma oferta ainda mais vantajosa. Se o custo da licença de uso do Windows não compensa? O Linux não é cobrado, pode ser customizado à vontade pelos programadores, é compatível com diversas plataformas, roda bem até em micros relativamente defasados, não apresenta as falhas de segurança pelas quais o Windows é tão criticado e aceita milhares e milhares de programas igualmente grátis. Por estar cada vez mais útil e amigável, o Linux se aproxima de milhões e milhões de usuários inexperientes (não fosse a pressão de enfrentar o Windows, a história poderia ter sido outra; de qualquer forma, o usuário saiu ganhando).

O leitor desavisado, ao se deparar com a entrevista de Negroponte, deve pensar que a Intel está sozinha no mercado e inventa chips novos num estalar de dedos -- ou, pior, tem uma fonte que jorra chips magicamente sem parar. Criar um novo microprocessador envolve estudos bilionários, e são consumidos outros bilhões para montar fábricas destinadas à vida curta: lançado um novo chip, é preciso começar (e gastar) tudo de novo. Por que a Intel se obriga a essa corrida estonteante? Se deixar a peteca cair, será superada pela AMD em pouco tempo. A AMD, que também mantém excelentes relações com a Microsoft, desde os anos 80 consegue a façanha de oferecer processadores centrais (no mínimo) funcionalmente equivalentes aos da Intel, só que mais eficientes e mais baratos.

O vaticínio de Negroponte de "parar com esse movimento", se cumprido, daria uma folga monumental à Intel: bastaria manter a mesma fábrica produzindo o mesmo chip de sempre por dez, quinze, vinte anos, sem que os preços caíssem brutalmente, multiplicando o retorno do investimento -- desde que fosse garantida a demanda pelo chip e eliminada a pressão tecnológica da concorrência. Como no futebol, a tática é brilhante, mas só falta combinar com o adversário.

É até razoável esperar de usuários comuns palpites como esse. Mas Nicholas Negroponte não é burro. Ele sabe com quem está falando, e quando fala, os donos do poder da tecnologia da informação escutam. Podemos tomar suas palavras como uma medida razoável do ponto a que chegou o conceito que faz a comunidade de TI do sucesso de uns e do fracasso de outros.

Xingar é fácil. Fazer comparações em bases honestas, por sua vez, parece uma façanha ao alcance de poucos.

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