segunda-feira, novembro 10, 2003

Quinze anos de carreira (parte 4)

Antes de seguir com o relato, uma explicação adicional sobre a "conversão" de computadores. Estou anotando tudo. Um dia isso ainda vai dar um livro.

Já usei monitor VGA em tons de cinza. Queimou em pouco mais de seis meses (não digo a marca para não ser mordido por "adevogados" hidrófobos). Mas não foi aí que decidi raspar a poupança e comprar um monitor colorido: a verdade veio de supetão num jogo de paciência. Num belo dia de 1994 fui visitado por uma amiga e apresentei o jogo no monitor sem cores. Expliquei como funcionava: pela ordem numérica, era preciso arrastar carta de naipe preto sobre carta de naipe vermelho, e assim sucessivamente. Quem tem intimidade com baralhos sabe distinguir pretos de vermelhos só pelos desenhos. Não era o caso: para ela, copas e ouros pareciam tão pretos quanto paus e espadas. Desisti de nadar contra a corrente.

O fim do MSX, para mim, foi uma ficha que caiu lenta e gradualmente. Se é verdade que um computador vale tanto quanto sua capacidade de pagar a si mesmo, aquele tinha se depreciado por completo. Não podia mais esperar retorno de um computador obsoleto. Existia uma torcida muito grande dos usuários de MSX em defesa de suas queridas máquinas; por ser mais barato que um PC ou (raro) Mac, consideravam-no o micro da realidade brasileira. Concordo totalmente com a definição, mas no mau sentido: Expert e Hotbit foram o que a reserva de mercado pôde proporcionar a nós, usuários comuns.

O conceito original do MSX era brilhante. Uma dúzia de fábricas no Japão se reuniu em torno de uma especificação comum que garantisse máquinas compatíveis umas com as outras; depois os europeus (mas os britânicos, que já tinham seus Sinclairs e Amstrads, nem tanto) compraram a idéia, com grande sucesso. No Brasil, a polícia da reserva de mercado não teria ficado exatamente encantada com as possibilidades. Por isso, Sharp e Gradiente armaram o que até hoje se considera "a sacada genial": registraram seus modelos de MSX como videogames. Grandes coisas. Tecnicamente, um computador é indistinguível de um videogame. MSX usava cartuchos e era computador. Odyssey tinha teclado e era videogame. Imagine o que a SEI pensaria de um Xbox ou um PlayStation 2. De qualquer forma, computador compete com videogame (dizem que foi o caso dentro da Gradiente: como o Atari 2600 ainda vendia bem, o MSX cumpriu uma etapa na geladeira; acredito, mas não dispensaria certas "forças ocultas"), computador superou videogame como máquina de jogos no período pós-Atari 2600 (estive nos EUA em 1984 e vi o Atari 5200 ser hypeado até a medula. Alguém se lembra dele? Deixem para lá, então.), pré-Nintendinho. E naqueles tempos B. Piropo foi a uma grande loja no Japão, procurou MSX na seção de computadores e foi conduzido à seção de videogames...

Ainda assim, a história do MSX no Brasil foi repleta de sacadas marcantes e aparentemente geniais, mas ainda assim marcantes. Sharp e Gradiente prometiam e prometiam drives de disquete, mas não entregavam; como de costume, deixaram a porta aberta a múltiplos desenvolvedores independentes de hardware. Inventou-se uma interface de drives que era incompatível com as especificações originais. Passou como triunfo da criatividade nacional por suprir uma carência relevante, mas embirutava produtores e consumidores de software. Quando a Gradiente quis fazer certo, era tarde: empregou um drive interno de 3,5", formato que ainda não tinha sido amplamente adotado (era considerado mais típico de Macs e Amigas; só se tornou padrão em PCs do 386 em diante, e na versão de alta densidade). Àquela altura, os programas já eram engatilhados para funcionar na interface tupiniquim e não se entendiam com a interface "oficial" da Gradiente.

As limitações dos micrinhos clamavam aos céus, sempre atribuídas pela comunidade à perversa falta de interesse dos fabricantes. Mas os casos apresentados pelos advogados do MSX atrapalhavam mais que ajudavam. Diziam que o MSX foi usado pela União Soviética na estação espacial Mir... Conheço vários colecionadores de micros de oito bits e respeito seus esforços de preservação das antiguidades da informática, mas é apenas isso mesmo: uma atividade domingueira, sem maiores pretensões de arranhar o valor do que a maioria usa.

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