segunda-feira, novembro 17, 2003

Desculpem por não ter postado antes minha coluna da semana passada... Ei-la. As cibercríticas, porém, só no rodapé do original.

Retrocedemos



Antes de investigar aquele conto do vigário contra os clientes do Banco do Brasil envolvendo registro de domínio com dados falsos, já estava pronta uma longa coluna sobre como é fácil a vida de hacker num país que tem o malandro como herói nacional e confere ao menor infrator (quem mais teria tempo suficiente para arquitetar esses golpes internáuticos?) a certeza de escapar sempre. Com um apêndice para desmontar o mito dos ciberativistas bajuladores de picaretas: para eles, o hackerismo é uma vingança dos oprimidos contra a arrogância das grandes corporações (pelo menos desta carapuça o Banco do Brasil não escapa) - na verdade, os pequenos e os "pobres" é que são as maiores vítimas. Para não desperdiçar o tempo e a paciência do leitor, deixei que os fatos falassem por si.

Vigaristas na Internet, como os espiões, só são realmente bons até o dia em que são desmascarados. A recente onda de mensagens falsas chamando os clientes de bancos a alguma espécie de recadastramento (motivado por uma onda anterior de e-mails fajutos disparados por outros golpistas) pode ter disparado o alerta vermelho no Banco Central e feito sua cota de vítimas entre os cidadãos comuns, mas é uma arapuca bem fraquinha. Antes de mais nada, é preciso fazer com que a mensagem chegue ao usuário e seja levada a sério (com erros de português e tudo) para que o usuário-correntista clique no link oferecido. Nesse ponto, uma página imita a home do banco nos menores detalhes, exceto que desta vez o cliente deve digitar a senha secreta desde já, ao lado dos números da agência e da conta. O sistema dos estelionatários, porém, aceita quaisquer números, incapaz de verificar de antemão se os dados são verossímeis.

Outros programadores espertos desenvolveram sisteminhas de contra-ataque capazes de entupir "automagicamente" os bancos de dados dos picaretas com zilhões de contas e senhas escolhidas ao acaso. Desse modo, para os bandidos digitais, encontrar informações verdadeiras é como achar uma agulha num palheiro. De volta ao mundo da espionagem: esses heróis da resistência só terão reconhecimento póstumo. Glória contra o crime online, só com a grife da Polícia Federal.

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A Operação Cavalo de Tróia é dos raros triunfos da polícia no Brasil, na Internet ou fora dela. Pelo menos é o que eu sei, tal qual os jornalões souberam: como de costume, todos foram tão confortavelmente iguais na reprodução dos dados de um restritíssimo conjunto de fontes sobre o resultado de uma investigação naturalmente cercada de supremo mistério. Descobriu-se uma tremenda máfia convenientemente sediada entre Pará e Maranhão, estados que o leitor "sulista" mal sabe onde ficam e dos quais só se ouve falar em casos de escândalos e tragédias. Descobriu-se o envolvimento de "autoridades", óbvio. Descobriu-se como foi fácil transferir, transferir e transferir dinheiro dos incautos para as contas de laranjas. No sistema bancário brasileiro não se pode dar nem um espirro sem revelar o CPF - e a Federal ainda levou um ano para descobrir os mentores dos desvios.

Os crescentes atentados do Banco Central às liberdades civis em nome da "segurança", pelo visto, ou são plenamente inúteis, ou só valem para otários, ou se dissolvem perto da linha do Equador. Por isso, chega a ser cômica a preocupação do Banco Central quando vigaristas pés-de-chinelo envolveram seu santo nome numa das últimas versões da arapuca dos e-mails, e ainda mais a preocupação dos jornais em dar ao BC todo o destaque nas manchetes de alerta contra a picaretagem. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

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"Risco sistêmico" virou palavrão, mas é o que se agravou duplamente com o bombardeio de estelionatos online. Ninguém mais consegue levar e-mail a sério e a confiança nas operações financeiras pela Internet está seriamente comprometida. O comércio eletrônico, que apresentou crescimento milagroso em tempos de crise, pode se preparar para tempos bicudos. Os pequenos comerciantes online, como os que operam em sites de leilões, já sentem a queda nas vendas. Imaginem a desconfiança nas grandes operações, turbinada por uma compreensão errônea do mecanismo da vigarice online. Os bancos terão muito trabalho para restaurar a confiança perdida através do esclarecimento dos clientes. Se agirem errado, continuarão alimentando a paranóia.

Enquanto isso, o lixo do correio eletrônico supera o limite do suportável. Junto com dois terços (só isso?) de mensagens não-solicitadas, também os e-mails sérios e legítimos estão sendo consumidos em algum ponto do caminho, desde servidores operando acima da capacidade até barreiras antispam excessivamente rigorosas (ou mal configuradas, o que dá no mesmo). O olho do destinatário, cansado de tantos anúncios de pornografia, empréstimos e "recadastramentos" bancários, passa batido até pelo que presta. Não ouse enviar uma mensagem importante sem pedir conformação por outro meio; aí crescem ICQ, Messenger e similares. Em todo caso, não dispense o telefone. Retrocedemos.

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