Sufrágio universal é aquele para escoher o governante do Universo e ao qual todo o Universo tem a obrigação de comparecer, não excluindo crianças, analfabtos, internautas ki ixkrevi axxim, militantes do PSTU, senhoras com mal de Alzheimer, colunistas políticos, ianomâmis, surfistas calhordas, presidiários, carnavalescos, pingüins de geladeira, homens-bomba, carmelitas descalças, o porteiro do meu edifício, o cara que mijou no muro na minha rua. Cada cidadão, um voto.
sexta-feira, outubro 29, 2004
quinta-feira, outubro 21, 2004
Meu professor inesquecível
Com a oportuna escalação de Eduardo Neiva, brasileiro, professor da Universidade do Alabama em Birmingham, para o time de comentaristas da campanha eleitoral americana, enfim O Globo escapa do embrulho armado por si mesmo: palpites que posam de exposição de fatos, ideologia que posa de neutralidade e reprodução descontextualizada (que palavra!) de despachos internacionais como se fossem... Ora, seu verme, se deu no New York Times, quem você pensa que é para discutir?
Em meus tempos de, com o perdão das más palavras, estudante de Comunicação na UFF, tive uma única disciplina com Neiva, mas foi o que bastou para torná-lo inesquecível. Eis a distância de anos-luz entre Neiva e a maioria de seus colegas professores: ele não estava lá para brincadeira. Trouxe dignidade, dentro do pouco que era possível, à cadeira que ocupava.
Num tempo em que professores não eram exatamente famosos pela observância ao horário, ele começava a aula às 18 horas em ponto, e -- milagre! -- não faltava. Os alunos, mal acostumado com os quebradores de galho, protestaram no ato. Diziam que trabalhavam longe, não podiam chegar a tempo. Neiva respondeu no ato: "Ninguém enganou vocês quanto à hora de início da aula; está lá na grade curricular."
Fazia questão de apagar o quadro com um papel amassado qualquer (se fosse pela conveniência, poderia ter comprado um apagador baratinho em qualquer papelaria) para que não faltassem testemunhas da graça e do veneno da administração universitária, incapaz de destinar a um professor um apagador de verdade.
É claro, foi denunciado certa vez por ter furado uma greve. Só com o tempo é que fui ver o quanto euzinho, como aluno, fui prejudicado profundamente pelas semanas e semanas sem aulas. Peixe não tem consciência de que vive na água.
Dava aulas de verdade, plenamente compreensíveis. Quem aprendesse, passava; quem não aprendesse, levava bomba. Não era preciso tentar adivinhar o que ele esperaria de nós. Que diferença dos outros. Se Derrida afirmar X, é um gênio. Se eu afirmar o mesmo X com outras palavras numa prova, não passo de um 5,5. Vai ver que fui eu que não entendi que aquela nota tanto poderia ser uma nota como poderia não ser, ou as duas coisas ao mesmo tempo, ou vice-versa...
Outra coisa que Neiva tinha de sobra: senso de humor de verdade, não esse cruzamento de bufonaria e grosseria (que só aumentou quanto mais moças chegaram aos bancos universitários) usada para apoiar agendas específicas. Professor típico dá de barato que aluno de faculdade está muito bem em seu mundinho de menininhos, e seria uma agressão inominável pretender educá-lo (conduzi-lo para fora) de modo que ambos saiam de suas zonas de conforto. Por essas e outras é que hoje Bâsh é escr*, Bâsh é b*b*ca e Bâsh é f* da p*, argumentos profundíssimos que conferem brilho de santidade aos argumentadores e provavelmente deixam trêmulos os joelhos na Casa Branca.
Não faltaram oportunidades para Neiva tirar uma com a cara dos alunos, cada vez mais espantados com a necessidade de se estudar alguma coisa a sério. Um dia ele indicou um livro dele mesmo (eis a capa). Estava certíssimo: se o professor não confiar nele mesmo como autor, em quem mais deveria? Antes que os "ai, que saco" ganhassem volume, ele explicou: "Se eu fosse depender das vendas de livros meus para os alunos, agora eu estaria numa ilha no Caribe tomando água de coco e cercado de lindas mulheres."
Não passou trabalhos absurdos. Quer dizer, não inventou pretextos para poupar a si mesmo de dar aulas. Em compensação, as provas vieram com o máximo rigor. Alguns alunos não acreditaram no que viram. 90 por cento da turma foi para a final. Uma besta perguntou se era prova de consulta. Resposta: "Eu, dar prova de consulta? Só no dia em que galinha criar dente." Pediram esclarecimentos do que ele queria dizer com a questão A ou a questão B. Respondeu: "Não digo nada. Estou como aquele filme que vi ontem: Quanto mais idiota melhor."
*****
Pouco antes dessa fase, Neiva foi entrevistado pelo Informática Etc. como usuário de longo curso, o que, naquele tempo, era algo digno de nota (em geral, professores de Humanas andavam e andavam para computadores). Sentenciou: impressora, só a laser. É verdade que, em tempos de reserva de mercado, uma laser era caríssima no Brasil e as matriciais ainda dominavam. Mas a ficha ainda não caiu.
Desde então o preço das lasers só não despencou mais rapidamente que o das jato-de-tinta, evidenciando o maior conto do vigário da história da informática (a rapinagem é tão grande que até cartucho preto virou acessório "opcional"). São frágeis, sua tinta custa uma fortuna e só funcionam enquanto existirem cartuchos compatíveis.
Por que os odiadores do grande capital monopolista e opressor etc. etc. não dão um pio? Burocrativistas não pagam pela tinta que usam. Quem se guia pela emoção barata (literalmente) de pagar pouco pela máquina e achar que faz um bom negócio são os outros, não eles. E a Campanha contra a Fome recolhe cartuchos vazios (quando a própria indústria não inventa truques de hardware e software para torná-los inaproveitáveis), que devem render uma boa grana. Podemos esperar um futuro risonho e franco para esses engodos eletrônicos.
No reverso da medalha, a galera retrocede ao tempo das impressoras matriciais, desconfiando -- com razão -- que a tinta baratinha compensa a lentidão, a barulheira, os resultados pífios e o preço da máquina (quase o de uma laser). E destacar remalina é tão romântico...
*****
Em seu artigo inaugural na série, "Dois estilos e um abismo entre eles", publicado no último domingo, Neiva foi incisivo contra a empáfia de nossos politicólogos:
Pelo que pude perceber, os extremos da pirâmide social americana reservam sua confiança para Bush. Os mais educados, em geral, inclinam-se na direção de Kerry. É um erro crasso, produto de desconhecimento dos EUA, achar que Bush dirige-se a essa ficção preguiçosa e injustificável que seria "o americano médio". O quadro de afinidades políticas, nesta eleição, é mais complexo.
Curiosamente, a visão de Neiva sobre o eleitorado de Bush acabou sendo muito semelhante a uma análise de esquerda dos três C que elegeram Collor: canalhas, covardes e capiaus (na verdade, não eram "covardes", mas outro adjetivo começando com C que prefiro não citar). A diferença é que, naquele tempo, nenhum "analista" ousou dizer que o resultado da eleição expressava a vontade do "brasileiro médio". Que facilidade os pascácios têm de se colocar fora do país, fora do mundo, fora do universo. Talvez lá de Birmingham o professor Neiva enxergue isso melhor que qualquer um dos locais.
Postado por Paulo C. Barreto às 01:24 0 comentários
terça-feira, outubro 19, 2004
É fantástico. O português(1) da novela(2), quando fala, mexe o queixo para frente, para trás e para os lados.
1) O único taxista da Vila São Miguel, bairro que os moradores de Duque de Caxias insistem que só existe na cabeça de Aguinaldo Silva.
2) Senhora do Destino, na Globo, começa mais ou menos às nove da noite.
Postado por Paulo C. Barreto às 21:43 0 comentários
quinta-feira, outubro 14, 2004
OK, o livrinho não é longo, não é profundo, sua leitura não dura mais que uma viagem de ônibus do Rio a Niterói. Mas são uns 50 minutos bem aproveitados. É verdade que o conde de Gobineau tinha umas idéias de jerico sobre a inferioridade da raça brasileira. Mas, no século 19, quem não tinha? Fora esse detalhe, o conde era um escritor privilegiado e observador afiado de seu ambiente, como atesta a copiosa produção de cartas em seu período no Brasil. É representante de uma arte que, em grande parte, se perdeu em computadores, salas de chat e blogs como este. O que seria de Gobineau se, naquele tempo, ele dispusesse das facilidades técnicas de hoje? É o que veremos nos próximos posts.
Postado por Paulo C. Barreto às 12:26 0 comentários
Postado por Paulo C. Barreto às 11:35 0 comentários
Fechando a tampa. Esta é minha última caixa de disquetes. Quer dizer: foi. Já a mandei para o lixo, recheada de floppies vazios, alguns que já acumulavam cinco anos de uso e mais cinco de aposentadoria. Desde a compra do primeiro Zip Drive (gravadores de CDs ainda eram caros demais), em fins de 1997, a maioria dos disquetes perdeu a razão de ser. Joguei muitos e muitos fora; os que aparecem na foto são os sobreviventes de uma população que lotava umas cinco dessas caixas. E mesmo os disquinhos usados para transporte básico de dados foram consumidos pelo tempo, pelas redes e pelos CDs graváveis. Só guardei dois floppies realmente históricos, originalmente de dupla densidade (720K) com capacidade duplicada para 1,44 MB pelo método Black & Decker. Quem viveu aquele tempo sabe do que estou falando.
Postado por Paulo C. Barreto às 11:32 0 comentários
quarta-feira, outubro 06, 2004
Os laboratórios fotográficos são um fracasso. Sempre, sempre, sempre foi uma raridade encontrar um que não fosse careiro, cumprisse os prazos, oferecesse produtos não reprováveis em qualidade e variedade, tivesse balconistas que entendessem do assunto e não tentasse empurrar para o otário do lado de fora do balcão a responsabilidade pelos erros de laboratório. Ou você paga rios de dinheiro para conseguir (quase) exatamente o que deseja, ou é atendido por um palerma que pensa que você é mais palerma ainda.
Poderia muito bem citar uma ou outra exceção, mas já não adianta muito: coisa dos tempos perdidos do filme químico. Havia poucos laboratórios industriais para fotos coloridas (em preto e branco, bem ou mal, era até possível fazer tudo sozinho na faculdade). Então as lojas de fotos serviam como meras despachantes de uma coisa maior. Seu trabalho era enviar e receber malotes. Mas os preços continuavam altos, e subiram mais ainda com a proliferação dos minilabs de "uma hora" e dos "45 minutos" (sem falar que nada me convence que o resultado dos minilabs não seja inferior ao dos grandões, mas é difícil fazer uma comparação).
Por que é que os amadores estão lançando fundo do baú suas câmeras convencionais e esnobando os rolinhos de 35 milímetros? Usando-se um filme de 36 poses é preciso pagar a revelação e ampliação de todas as 36, boas ou más. No método digital, sem o custo do filme, pode-se tirar quinhentas fotos e escolher meia dúzia para impressão. O equipamento para isso custa uma fração do preço dos "velhos" minilabs. No entanto, é a barreira que resta para a foto digital se popularizar de vez.
Fui tentar a sorte perto de casa. Não digo qual era a loja para não levar um processo. Minha esposa perguntou logo: aceitam Memory Stick? Nada feito; só disquetes ou CDs. Não que fosse um problema copiar as fotos para CDs. Mas imagine o drama dos turistas estrangeiros, muito comuns neste bairro, com seus cartões recheados de fotos, procurando uma impressão rápida. Rápida? Quando cheguei à loja, já com CD gravado, é que entendi por que não aceitavam os cartõezinhos de memória: o CD teria que ser enviado por malote ao laboratório para entrega daí a dois dias.
Mas o buraco era ainda mais embaixo. A moça perguntou se eu queria deixar o serviço pago. Perguntei: "Como é que eu faço para ver quantas fotos há no CD?" Não houve resposta. A loja-despachante não tinha nem sequer uma maquininha capaz de ler um CD! Isso pelo menos por enquanto, pois a aparelhagem para impressão de fotos estava para chegar. Não duvido.
Postado por Paulo C. Barreto às 10:52 0 comentários