quarta-feira, outubro 29, 2003

A entrevista ao Comunique-se


Sim, agora eu é que acabei sendo entrevistado. :-) O original está aqui, mas só para cadastrados.


Do offline para o online (e vice-versa)

Mario Lima Cavalcanti

Em uma conversa por ICQ, pedi ao jornalista Paulo C. Barreto, grande veterano da Internet no Brasil, que sugerisse um tema para minha coluna no qual fosse interessante tanto para os jornalistas que já estão no mercado quanto para os que ainda estão aprendendo o be-a-bá.

Há mais de 10 anos no mercado editorial de informática, colunista do site do jornalista Diego Casagrande e colaborador regular da redação da revista Info, Paulo C. Barreto sugeriu um artigo que abordasse como a experiência offline pode ser aplicada online. Então perguntei: por que você mesmo não conta isso? Em entrevista por email e por ICQ, PC Barreto contou um pouco das suas experiências no offline e no online e aponta algumas tendências para a área de jornalismo digital. Acompanhem abaixo:

Comunique-se - Você está há mais de 10 anos no mercado editorial de informática. Como se deu seu ingresso no cenário de jornalismo online?

PC - Meu primeiro artigo para O Globo, de 1994, saiu primeiro online no Centroin BBS, ainda na era pré-Internet. O universo dos BBSs ainda era muito restrito e praticamente todos se conheciam, ou de encontros de usuários, ou pela presença regular nos fóruns. Foi assim que fui "descoberto" pela Editoria de Informática do Globo. A partir daí, descontando os artigos que fiz para mídia impressa que acabaram sendo republicados em sites, meu primeiro trabalho jornalístico 100% online começou em 1998, na revista eletrônica Aqui!, um conceito brilhante de Fernando Villela que foi levado adiante com competência e profissionalismo dentro do Cadê?. Lá eu fazia uma coluna semanal com dicas de shareware e freeware, e também uns tutoriais e FAQs sobre vários assuntos técnicos em evidência.
 
Comunique-se - Você tem uma boa experiência em offline. A maior parte da sua carreira foi no impresso? Enfim, como você acha que essa experiência offline pode ser aplicada online?

PC - Em  termos de tempo de carreira, é equilibrado. O offline é a base de tudo. Comecei ainda no tempo da máquina de escrever; quer mais analógico do que isso? :-) Não há nada como ler impresso, sem monitores cansativos, sem baixas resoluções, de um modo que se preste mais a leituras aprofundadas. Isso exige mais de quem escreve. Na tela, parece que todos fazemos uma espécie de leitura dinâmica. Por isso os autores online acabam se safando de tantos descuidos ortográficos, gramaticais, factuais e lógicos. Pensam assim: para que caprichar em algo que daqui a algumas horas poderá estar obsoleto? Em Internet tudo é realmente muito rápido e objetivo (se não captar a mensagem em menos de cinco linhas, o leitor se cansa e vai ver outro site), e é natural que o autor precise se adaptar a um público heterogêneo e sem fronteiras. Mas se devemos escolher um aspecto do offline que faz falta online, é o equilíbrio entre um controle de qualidade mais apurado dentro da redação e um nível de exigência mais alto por parte do leitor.
 
Comunique-se - Como você analisa essa crescente bola de neve que é o universo blog?
 
PC - Quase tudo já foi dito sobre os aspectos positivos dos blogs como ferramenta para disseminação democrática de informação. Nem preciso acrescentar muito. O problema é que sobram louvores à febre blogueira e faltam as necessárias críticas negativas, ou, no mínimo, um sopro de desconfiança sobre algo com que, aparentemente, todo mundo concorda. Blogs não são novos, mas atingiram o status de fenômeno com o estouro da bolha pontocom. As empresas de Internet desinvestiram brutalmente em conteúdo próprio de qualidade, ao mesmo tempo em que investiram em esquemas nos quais o próprio internauta alimenta as atrações: salas de bate-papo, hospedagem de sites pessoais, fóruns de discussão e - por que não? - blogs. A empresa operadora do blog deixa a máquina rodando com manutenção mínima, os blogueiros suam a camisa por audiência como quaisquer donos de sites (nada mais natural; sem audiência, o conceito mesmo de informação democratizada não faria sentido) e a operadora vende espaço para banners. E o garoto que escreve "pow ae kra blz" em blog feito para os amigos ainda acha que sai no lucro. Acima de tudo, não podemos nos deixar levar tão facilmente por argumentos que confrontem o ambiente anáquico da blogosfera ao "monopólio da informação". 95 por cento do conteúdo dos blogs é plenamente descartável; o resto, se é que incomoda de verdade, só merece desdém do establishment midiático: "ora, não passa de meia dúzia de fracassados que só consegue espaço para escrever em blogs mesmo".
 
Comunique-se - O formato weblog tem se mostrando bem eficiente em termos de veículo noticioso e posso até arriscar em dizer que os blogs representam para muitos a primeira experiência em termos de jornalismo online. Baseado nisso, você acredita no processo inverso, ou seja, que o exercício de blogar pode contribuir, em termos de redação, para aqueles que só têm experiência no online e vão trabalhar no offline?
 
PC - Certamente o formato blog tem vantagens que podem ser bem apreciadas offline. Quem escreve na Internet não pode desperdiçar espaço: o recado tem que ser passado em poucas palavras. Pretensões literárias devem ficar em segundo plano: espaço impresso, ou tempo de rádio e TV, custam uma nota preta. Além disso, o blogueiro sabe que está numa comunidade, que há dezenas ou centenas de blogs parecidos com o dele, seja no conteúdo, seja na aparência. Diferenciar-se do rebanho é o jogo da sobrevivência. No offline, quem vai começar a fazer isso a sério? Quem leu um grande jornal, leu todos; os mesmos que acusam a imprensa brasileira de venal, superficial e tendenciosa não têm a menor vergonha de embarcar na unanimidade mais óbvia.
 
Comunique-se - Em sua opinião, quais são as tendências para os próximos anos no cenário de jornalismo digital?
 
PC - O formato blog parece ter vindo para ficar. Acostumem-se. Ainda não é comum encontrarmos blogueiros profissionais, mas essa também é uma tendência inevitável na medida em que o oceano de blogs chinfrins avançar sobre a credibilidade do meio. Mas será uma transição de muita tensão entre "jornalistas" e "blogueiros", seja lá qual for a distinção exata. As conexões rápidas permitirão um reforço nas imagens, um item ainda em segundíssimo plano nos noticiários online -- a tradição da Internet é focada em texto, desde o tempo das letrinhas verdes sobre fundo preto. A própria blogosfera já se adiantou: cada vez mais os fotologs dividem espaço com os blogs tradicionais. Outra tendência benéfica para o jornalismo digital: a política de portais está com os dias contados. Esse resquício da febre especulativa da "Nova Economia" já vai tarde. Quem tem saudades? Site bom anda com as próprias pernas; se depende do portal, pelo um dos dois faz mau negócio.
 
Comunique-se - Algumas pessoas apostam em cross content como um caminho natural no jornalismo digital. Você concorda?

PC - O caminho certamente é esse. A versatilidade é benéfica tanto para o veículo quanto para o profissional.


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