quinta-feira, outubro 23, 2003

Da Anatel aos disquetes

Em sua luta contra o monopólio das telecomunicações, a Anatel tomou para si o monopólio do bom senso. Exemplos não faltam. Espero que os usuários de telefones celulares se lembrem dos contratos vantajosos que as operadoras ofereciam com estardalhaço. Passe um pente fino e busque as cláusulas que os gênios de Brasília não rasgaram.

A adoção, na marra, dos códigos de operadora nas chamadas interurbanas via celular, tal como já ocorria na telefonia fixa, deve até ter feito a satisfação de alguém fora da muralha burocrática da Anatel. Liberdade de escolha, dizem. Nem uma palavra sobre os usuários que já tinham celebrado contratos de tarifa fixa na área de cobertura de sua operadora. Lembra do plano que permitia fazer ligações em todo o território do estado a preço de chamada local? Da noite para o dia essas cláusulas foram revogadas: até para cidades vizinhas as ligações passaram a ser consideradas interurbanas - e cobradas como tais.

O usuário reclama com a operadora. A operadora nada pode fazer, pois só cumpre, no varejo, as ordens da Anatel (um cipoal de resoluções pelas quais a Anatel legisla sem Legislativo) e, no atacado, um conjunto de metas arbitrárias e mirabolantes. Deve ser por isso que os seguidores de Stálin estão todos em Brasília, perto da Anatel, em torno da Anatel e - por que não? - dentro da Anatel.

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A Dell, ainda que tardia, seguiu o exemplo da Apple e jogou a toalha: desistiu de incluir drives de disquete em seus computadores. E as pequenas montadoras, quando perceberão o óbvio? Exceto para manter compatibilidade com equipamentos antigos, floppies no século 21 já não fazem o menor sentido. Usuário típico, que acabou de tirar o micro da caixa, não foi do tempo dos equipamentos antigos: já está acostumado com CD-Rs (e, cada vez mais, DVD-Rs) baratinhos e gravadores onipresentes. Em todo caso, redes existem para jogar arquivos de um lado para o outro. E para levar arquivos no bolso, não inventaram nada melhor que a memory key. Se não for o seu caso, provavelmente você se lembra de tempos bem mais bicudos.

Em 1994 escrevi para O Globo um artigo sobre o WinCat, um programa shareware. Para efeitos de comparação, citei o preço do registro do programa como equivalente ao de uma caixa de discos flexíveis (dez unidades de 3,5 polegadas e alta densidade, o mesmo padrão de hoje) de ótima qualidade: uns 15 dólares. De tão caros, ou o usuário racionava os disquetes, ou relaxava no controle de qualidade em busca de melhores preços. Assim perderam-se muitos dados preciosos. De qualquer forma, disquetes nunca foram muito confiáveis mesmo, apesar de já terem sido tratados com mais respeito pela indústria. As caixinhas de papelão eram maiores, pois os disquetes eram embalados em envelopes plásticos individuais. A prática foi abortada "a bem da ecologia", mas o consumidor conhece de longe o cheiro da sovinice.

O que impressiona é notar que já existiram inúmeros formatos de disquetes. Todos foram varridos do mapa, os Zip Disks (que um dia já foram mais vantajosos que CDs) vão acabar seguindo o mesmo caminho, e os concorrentes diretos do Zip Disk praticamente não deixaram vestígios. Para a decadência de todos, o mesmo motivo: não são baratos, nem práticos, nem rápidos, nem resistentes, muito menos espaçosos. Os floppies resistem com veículo de vírus, mídia de compatibilidade confortavelmente garantida e sopro de vida a computadores em avançada decadência.

O quê? Decadência? Já posso prever que o ilustre usuário vá pedir menos arrogância e mais respeito a seu 486 velho de guerra (há máquinas ainda mais antigas, mas não vamos nos estender muito). Aceito a crítica, desde que o queixoso revele quanto pagou pelo 486 no tempo que aquele era um computador zero-quilômetro e conte quantas pessoas tinham computador naquela época. Aí, sim, poderemos falar em "exclusão" sem cair em frases feitas. Mas esse é um assunto para outra coluna.

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