sexta-feira, março 03, 2006

Dez anos d’O Acidente: o fim dos Mamonas Assassinas

(post dedicado ao amigo Flávio Bessa, o fã que estava em Brasília e dispensou ingressos para a apresentação final dos Mamonas acreditando que a banda ainda faria muitos shows em sua vida)

Que eu me lembre, ouvi Mamonas Assassinas pela primeira vez quando passava um fim-de-semana em São Paulo (não riam, cariocas). “Vira-Vira” mais parecia uma gracinha da escola paulistana de humor radiofônico: o espírito era o mesmo, e a produção (ao menos num rádio de pilha) também. Portanto, imaginei, a musiquinha não iria além dos ouvintes da emissora local – estamos falando de 1995, antes da internet grande, do MP3, do CD-R barato e do podcast.

Mas em questão de semanas (dias?) ficou claro para todo o Brasil que havia uma banda por trás daquelas músicas de letras absurdas com interpretação absurda. E que banda! A persona coletiva dos Mamonas transbordava por cima das músicas: roupas ridículas, shows frenéticos, apresentações televisivas cheias de gracinhas, e as figuraças que pareciam não conseguir ficar um segundo quietas sem fazer careta, o que fazia parte do jogo.

Ninguém teve como escapar. Enquanto os garotos viveram, foi o maior bombardeio midiático-musical de seu tempo. Todo mundo que era "alguém" comprou o CD (o vinil estava extinto e as fitas tinham virado coisa de pirata) até o ponto de saturação: as lojas não tinham mais para quem vender os disquinhos (só desencalharam depois d'O Acidente). Ganhou CD interativo, coisa pouco comum no Brasil da época. Virou o arquétipo do ídolo criado pela mídia dentro da velha escola dos Sex Pistols e do Sigue Sigue Sputnik.

Pouca gente entendeu mesmo os Mamonas e o que eles representaram. Com aquele tipo de humor, não surpreende que hordas e hordas de crianças idolatrassem os Mamonas. Disso todos lembram dez anos depois d’O Acidente. Ninguém parece se lembrar, de tão natural que parece hoje (não naquele tempo), da onda de adultos que tapavam o nariz e se declaravam fãs dos Mamonas. A banda foi mais ou menos aceita pela intelligentsia que confundiu incorreção política com o espírito de se fazer de intolerável.

As sacanagens com nordestinos, portugueses e homossexuais eram óbvias, sem novidades, fáceis de assimilar: a superfície parecia um Casseta & Planeta de absorção imediata, sem o trabalho mental "o que ele quer dizer com essa piada?"). A variedade de gêneros musicais abrigava um monte de sátiras devastadoras a gêneros e personalidades da música brasileira (quando até certo ponto os ainda-não-Mamonas tentaram imitar a sério alguns deles, fracassaram redondamente). Em 1995, debochar de cacoete de pagodeiro era de lavar a alma. Mas o conjunto da obra era entremeado por baixarias, regionalismos (não-paulistas teriam que usar dicionário, se dicionário brasileiro prestasse) e piadas de hora de recreio, o que punha tudo a perder.

No fim, já que os discos dos Mamonas pegam poeira, o legado histórico da banda foi seu papel de divisor de águas. Antes deles, os indivíduos que não têm estômago para a baixaria e que acham que certos conteúdos são inadequados para a boa formação das crianças (você pensa nisso mesmo, seu fascista? E a Inquisição vai bem, né?) tinham pouco poder de pressão, mas tinham. Depois dos Mamonas, ficou estabelecido que esses farrapos humanos têm é que ficar calados ou virar a casaca enquanto a patuléia se diverte. O “é proibido proibir” dos anos 60 cozinhou até se desfazer numa cultura trash à qual o consumidor médio pudesse se rebaixar alegremente. Deve ser por isso que ainda tivemos que ouvir uma avalanche de bobagens póstumas sobre como os Mamonas “levaram alegria ao povo”...

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O nível subiu depois dos Mamonas? A explosão de criatividade prometida para a era Napster e pós-Napster, turbinada pela febre do iPod, ainda está para ser vista. Todo mundo caiu do cavalo esperando que a tecnologia em si fizesse brotar conteúdo interessante. Adivinhe o motivo: artistas da era digital ainda não conseguiram atingir um modelo de negócios viável que passe por cima do fato de que toda, toda, toda música está sujeita a pirataria. Por que é que os piratas, em vez de se ocuparem com Felipe Dylon e Tati Quebra-Barraco, não arranjam um tempinho para distribuir as obras dos músicos tão revolucionários e inovadores que têm sido “cruelmente boicotados pelo cartel das gravadoras multinacionais”?

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